Página  >  Edições  >  N.º 117  >  A ovelha e o Governo

A ovelha e o Governo
Há muita gente que só consegue tratar de um problema de cada vez.  Ou melhor, quando têm um problema pela frente ficam aflitas, obsecadas pelo problema, vivem dele e para ele. A nossa ministra das finanças e o nosso primeiro ministro são assim. Encalharam no caso do déficit e estão obsecados por ele. Têem a ambição de conseguir que o número da receita seja igual ao da despesa. Perderam o siso. Não vêem mais nada. Obsecados pelo seu problema dizem que só há um caminho para o resolver. E vai de proposta, insulto e gritaria. Esquecem aquele antigo ditado que diz que todos os caminhos vão dar a Roma.
Quem não se deixa absorver por um único problema percebe que os caminhos para o resolver são muitos e variados. Quanto mais largo o horizonte, mais variadas as soluções.
Há muitos anos havia um pastor que sempre tinha vivido confinado na sua aldeia. Esta ficava num vale rodeado de montes. O pastor era-o desde menino mas estava a ficar velho. Um dia uma das ovelhas escapou-se e foi subindo um dos montes. O velho pastor foi-lhe no encalço. A ovelha à frente e o velho atrás subiram o monte até ao cimo. Chegados lá, enquanto a ovelha se entretinha a tasquinhar umas ervas, o velho pastor estendeu a vista lá do alto e, perante tão vasto horizonte, caíu de joelhos, abriu os braços e exclamou em vóz alta: ? que Deus nos acuda! Óh meu Deus que eu não sabia que o mundo é tão grande!
Pode ser que um dia alguma ovelha do Governo se meta a subir o monte. Talvez a senhora ministra das finanças e o senhor primeiro ministro se decidam a ir-lhe no encalço. Pode ser que juntos descubram que o mundo é grande e que há muita coisa para lá do déficit. Pode ser que descubram que a maioria esmagadora do povo português é pobre, trabalha, vive sem privilégios e anda aflito. Pode ser que Deus os ilumine e os ajude a descobrir que o povo tem o direito de trabalhar para viver e não de viver para trabalhar. Pode ser que todos os santos os ajudem a perceber que a História foi estabelecendo  a diferença entre trabalho livre e trabalho escravo. Talvez percebam que a economia deve estar ao serviço das pessoas e não as pessoas ao serviço do lucro. Pode ser que no horizonte descubram que a obrigação de qualquer governo decente é governar para o bem estar do povo e com o povo e não para o aumento do lucro e da ganância de meia dúzia de proprietários e financeiros sempre esfomeados e esganados por dinheiro.
Pode ser que descobrindo estes novos horizontes o Governo, todo ele, caia de joelhos e exclame em vóz alta: ? que Deus nos acuda! Que nós não sabiamos que a vida pode ser tão variada, tão digna, tão decente e tão simples.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 117
Ano 11, Novembro 2002

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo