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Três perguntas em início de século

1. De uma forma geral, qual a sua opinião acerca das novas regras propostas pelo governo para o acesso ao ensino superior – nomeadamente a introdução de uma nota mínima de 9,5 valores?
2. Deverá ser o ministério ou as próprias instituições de ensino superior a definir os critérios de ingresso nas universidades e politécnicos?
3. Deverá ou não ter-se em conta a situação no mercado de trabalho no financiamento de determinadas áreas de formação?

1/2. Essa decisão deverá competir às instituições do Ensino Superior. Ao Ministério compete assumir, apenas, uma função reguladora que não pode pôr em causa a autonomia dessas instituições. Este, creio, é o pressuposto a respeitar, quando se discute a adopção de medidas que visem dar corpo a um Ensino Superior social e culturalmente credível.
Neste sentido, a questão dos critérios de ingresso e, em geral, a das regras de acesso ao Ensino Superior é uma questão a ser decidida no seio das escolas que integram as universidades e os institutos politécnicos. Prerrogativa que implica, da parte destas instituições, a definição de planos de desenvolvimento estratégico, a partir dos quais se fundamentem e explicitem as opções fundamentais e, consequentemente, as suas finalidades a curto, médio e longo prazo, bem como os dispositivos de auto-avaliação que permitam aferir e corrigir as decisões, bem como prestar contas e conferir visibilidade pública ao trabalho desenvolvido.

3. O mercado de trabalho é um factor incontornável da reflexão que as escolas do Ensino Superior deverão produzir quando planificam, desenvolvem e avaliam os projectos de formação que animam. O que não significa que o financiamento das instituições passe a ficar circunscrito às eventuais solicitações desse mercado.
Em primeiro lugar, porque convém perceber o que são e quais são as solicitações do mercado de trabalho.
Em segundo lugar, porque convém compreender quão falaciosos são os argumentos daqueles que fazem depender a modernização do mercado de trabalho da acção formadora da Escola, na medida em que transformam uma questão inerente à natureza e qualidade desse mercado numa questão que não lhe diz respeito.
Em terceiro lugar, porque importa afirmar que a política de formação de uma instituição não pode ser determinada do seu exterior. Há relações a estabelecer, há um diálogo a encetar, há parcerias estratégicas a desenvolver, ao nível de estágios, investigação e formação. Chega e, a acontecer, não é pouco. Não se pode defender a autonomia do Ensino Superior face ao Ministério para se poder afirmar a sua dependência face a outras instâncias.
Em quarto lugar, é-se obrigado a reconhecer que a articulação entre as escolas do Ensino Superior e o mercado de trabalho ocorre de tal forma diferenciadamente que, nuns casos, existem relações mais estreitas, enquanto noutros as relações são de carácter mais episódico.
Em quinto lugar, porque interessa colocar alguma ordem na discussão e dizer que a articulação com o mercado de trabalho não pode pôr em causa o ciclo de formação inicial dos alunos, devendo ser um factor fundamental a gerir ao nível do ciclo subsequente das pós-graduações.

Rui Trindade
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação do Porto


1. A fixação de notas mínimas é, em princípio, uma boa medida, pois elevará os padrões de exigência, com efeitos benéficos na preparação dos candidatos. Fará também crescer a pressão social para que o ensino secundário seja melhorado e muito mais apoiado. Entretanto, como estas transformações não serão instantâneas, as exigências deverão ser graduais, sob pena de uma drástica redução do número de candidatos e de um forte subaproveitamento das capacidades instaladas de ensino superior público.

2. O Ministério deverá definir condições mínimas e as instituições deverão verificar as capacidades para o ingresso e seleccionar os seus próprios alunos a partir de provas por si organizadas nos condicionalismos previstos na Lei de Bases do Sistema Educativo. Deste modo, caber-lhes-á a importante função de definir o respectivo grau de exigência a partir do diagnóstico feito e das condições que possam criar para melhorar a preparação dos alunos que apresentem maiores dificuldades.

3. Sim, mas não de um modo absoluto. Ao Estado incumbe cobrir as necessidades de educação de toda a população. Entre estas, estão as aspirações individuais ao conhecimento e à aquisição de novas competências e, também, as necessidades sociais que são bem mais amplas que as do mercado. Além disso, para cada vez mais postos de trabalho são mais importantes as capacidades que se devem adquirir em qualquer licenciatura, como aprender a aprender; enfrentar problemas novos; adaptar-se à mudança; ser crítico e empreendedor; etc., do que as matérias específicas de uma dada licenciatura.

João Cunha Serra
Coordenador do Departamento de Ensino Superior
da Federação Nacional de Professores (Fenprof)


Não tem o SNESup uma posição sobre as duas primeiras questões.
Apenas poderia responder no plano pessoal, mas sem que a minha resposta tivesse qualquer peso institucional, dado que cada sócio opinará de forma diversa e não se deverá rever numa posição não discutida no seio do SNESup.

Quanto à terceira questão:

As áreas de formação com saídas profissionais esgotadas devem ser conhecidase publicitadas, evitando a criação de falsas expectativas e permitindo racionalizar recursos. Para isso, há que fazer um levantamento das
necessidades do mercado e da oferta que está a ser produzida nas Escolas. Contudo, esse levantamento não existe e não há uma ideia estratégica de quais são os objectivos a atingir. Sem isso é um erro avançar com medidas avulsas.
Por outro lado, não nos parece que seja lícito relacionar directa e exclusivamente saídas profissionais com a importância ou relevo de uma instituição, de uma área ou de um curso.
O Ensino Superior não é um mero ensino terciário, resultante de um prosseguimento de estudos. É um espaço onde deve manter-se a liberdade de escolher, onde há recompensas que não são óbvias. É um investimento a longo prazo que há que fazer paulatinamente pois demonstra-se nevrálgico no desenvolvimento do país.
Em suma, ligar saídas profissionais a formações iniciais não é potenciador de desenvolvimento, dado que apenas responde a necessidades de curto prazo prejudicando e desguarnecendo áreas que se podem vir a tornar fulcrais.

1. O financiamento das Instituições de Ensino Superior não pode estar ancorado exclusivamente ao financiamento dos cursos. O papel do Ensino Superior é muito mais vasto do que ministrar formações profissionais. Nesse sentido, o financiamento exclusivo por curso é reducionista e nefasto para o papel das Universidades e dos Politécnicos, dado que impõe um modelo de financiamento por serviços, desencorajando os papeis menos fáceis e de mais difícil contabilização mas mais importantes para a identidade do Ensino Superior.
2. Logo à partida, o conceito de financiamento por curso é desadequado a este sistema de ensino mas, numa análise mais profunda, a indexação do financiamento às hipóteses de empregabilidade é negar o espírito do Ensino Superior, visto que significa declará-lo indiferenciável de um qualquer serviço ou produto. A visão economicista que espera um rendimento tangível e imediato do investimento na educação só pode redundar em atraso. O condicionamento da orçamentação às modas do mundo empresarial tem efeitos negativos a médio e longo prazo. Veja-se a escassez de professores um pouco por toda a europa. Atente-se no excesso de oferta nas profissões que tiveram grande procura nos anos 80 e 90.
3. Por outro lado, a tentação de formar profissionais especializados para uma necessidade imediata do mundo do trabalho tem como consequência a criação de uma massa de indivíduos com formações pouco flexíveis e incapazes de resistir a variações do próprio mundo do trabalho e incapazes de se adaptar a novos desafios. Esta tentação é potenciada pela ligação formação superior/mercado d trabalho e é uma perversão ao objectivo do Ensino Superior que deve ser evitada.

Luís Moutinho
Coordenador do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup)


  
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Luís Moutinho
Coordenador do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup)
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
João Cunha Serra
Coordenador do Departamento de Ensino Superior da Federação Nacional de Professores (FENPROF)
Luís Moutinho
Coordenador do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup)
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
João Cunha Serra
Coordenador do Departamento de Ensino Superior da Federação Nacional de Professores (FENPROF)

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