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Relendo Ignácio de Loyola Brandão - "Não Verás Pais Nenhum"

Em Junho de 2001, Ignácio de Loyola Brandão escrevia no jornal "O Estado de S.Paulo" uma crónica intitulada "Um homem que odeia a segunda-feiras" a pretexto de declarações "do todo-poderoso da energia no Brasil, David Zylberstein", a defender a obrigatoriedade de tornar feriado às segundas-feira.
Ignácio, autor de "O Homem Que Odiava a Segunda-feira" (1999 ) diz que sempre foi essa a intenção oculta desse homem de 1999. "Quando ouvi o Zylberstein propondo a lei da segunda-feira fiquei inquieto. A realidade penetrou na ficção ou a ficção se tornou realidade?"
Para o autor de "Nunca Verás País Nenhum", David tornara-se companheiro do personagem citado, "um sujeito que acorda todas as segundas-feiras, tenso, com suores e calafrios, dores nos músculos, visão embaçada e uma nevralgia que paralisa o lado direito do rosto". Um sujeito que, "ainda na cama, sente tonturas, dores cãibras, rola insone", num acentuar de sintomas "que se iniciam no domingo à noite (?)".
Nesse conto ? confessa Ignácio de Loyola Brandão ? "o personagem decide que para se curar é necessário empreender uma cruzada contra a segunda-feira".
Leia-se um pouco do manifesto anti-segunda-feira um dia que é preciso "extinguir do calendário".
"(,,,) A vida é uma coisa bela, diria o Benigni, naquele filme chato que todo mundo adorou. E eu que inventei, cheio de humor, um homem que odiava a segunda-feira, jamais podia pensar que a realidade estava sendo moldada por mim. Pois o personagem que no meu conto não tem nome, propositalmente, porque adoro os anônimos, acabou de ser batizado. Agora pode chamar-se David Zylberstein. Fico a pensar. Como um homem se sente penetrando na ficção, tornando-se o produto da fantasia de um escritor?"
Ignácio lembra, depois, "A Rosa Púrpura do Cairo", o filme de Woody Allen em que as personagens saem da tela "e penetravam na vida real, agindo como se estivessem dentro do filme, tornando-se deslocados", para chegar ao que denomina de "seres desse estranho planeta chamado Brasília, totalmente deslocados neste Brasil, irreais e abstratos (?) os que se mudam para lá para fingir que governam, fazer leis, comandar e distribuir justiça".
E a crónica conclui-se com uma nota, quase de rodapé, onde se diz que, na ficção existe um final: "Fechado o livro, tudo se acaba, em Brasília, a ficção-realidade não tem fim".
Na hora em que este jornal está a ser impresso, o Brasil ainda conta votos. Foi na segunda-feira passada. Dias antes, um slogan garantia que o ditado n\ao é à "terceira é de vez", mas sim à "quarta", numa alusão ao número de vezes que Lula se cabdidatou à presidência.
Continuo a reler Ignácio de Loyola Brandão.
"Estou propondo questões aos teóricos em literatura. Quem vai atrás de quem? A ficção se alimenta da realidade? Ou a realidade imita a ficção? Velha indagação aos ensaístas que se debruçam anos em cima dos livros elaborando teses complexas. Posso parecer megalomaníaco, mas me ocorreu outra situação. Exatamente 20 anos atrás, publiquei um romance, Não Verás País Nenhum, hoje ainda meu livro mais vendido, mais traduzido, melhor criticado. Ali, em uma linguagem que oscila entre o terror e a ironia, descrevo um país que não se sabe governado por quem, uma nação sem árvores, sem água, mergulhado na seca, no calor, com problemas cruciais de energia, cidades às escuras, população habitando guetos, violência extremada como hábito cotidiano, ruas congestionadas por carros que ficaram paralisados quando o combustível terminou, o medo, a insegurança."
É este o Brasil que se anuncia? Que saiu da última, e para muitos odiada, segunda-feira passada?


  
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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