Considerámos anormal que 5.078 dos 7.448 pedidos de
reapreciação de provas de exame do 12º ano do ensino secundário (1ª fase)
tenham sido providos e tenham determinado subidas de classificações. Por
maioria de razão, considerámos estranho que a situação se tenha repetido na 2ª
fase.
Algo está mal nos exames nacionais e na "mecânica" da reapreciação das
classificações das provas e não devemos iludir-nos nem ludibriar a opinião
pública com artifícios aritméticos. Se é verdade que este ano, relativamente
aos anos anteriores, houve menos provas, menos recursos, menos classificações
alteradas, não é menos verdade que, ainda assim, 60 (sessenta!) em cada 100
(cem) provas revistas permitiram acrescentar mais uns pontos às médias finais
dos alunos insatisfeitos (média final do ensino secundário e/ou média de acesso
ao ensino superior). Parece-nos evidente que:
- ou os critérios de correcção das provas não foram aplicados uniforme e
universalmente;
- ou os critérios de correcção das provas foram deficientemente elaborados e
deixaram grande margem de subjectividade para os professores correctores;
- ou as provas foram, num primeiro momento, corrigidas com alguma inaceitável
ligeireza;
- ou os professores reapreciadores foram mais benevolentes (consciente ou
inconscientemente) do que os professores correctores;
- ou a lógica instalada é a de que "quem recorre, precisa, logo, tem direito ao
«prémio»".
Ao contrário de muitos especialistas, não nos espanta que apenas 3 a 4% dos
alunos recorram ao "artifício" do recurso, mesmo sabendo que a probabilidade de
recolher benefícios do acto é grande (mais de 60%!) e que a probabilidade de
incorrer em prejuízos é ínfima (não superior a 2,5%). Coloquemo-nos na pele dos
jovens:
Pedro ? Já tenho 15,3... No ano passado, o último que entrou na FEP só precisou
de 13,4... Recorrer?... A Matemática?... Não vale a pena... Preciso de
férias...
Ana Rita ? O explicador foi de fim de semana... Não tenho quem me veja a prova
e me rascunhe o pedido de revisão...
Jorge ? Eu reclamo a tudo... No ano passado, reclamei a seis e subi a cinco...
Valeu a pena...
Teresa Maria ? Não tenho dinheiro para pagar a quem me veja a prova!...
Narciso ? Tenho uma resposta certa que está mal cotada mas, ainda que
conseguisse mais cinco valores, a média era a mesma!...
Inês ? A média que tenho, chega e, se reclamo, ainda fico com o processo
condicional, à espera dos resultados!... Não, não vale a pena...
Quem assiste ao desenvolvimento dos recursos e dos seus resultados, fica com a
sensação de que "quem precisa, tenta", mais pela necessidade dos pontos que
pode amealhar do que pela consciência da justeza da sua reclamação. Na
circunstância, até se "inventa" um qualquer argumento para "fundamentar" uma
avaliação mais benevolente. O recurso, compensa... Por isso...
É verdade que a grande maioria dos alunos não usufrui dos "benefícios" do
recurso: uns, porque se acomodam às médias já obtidas; outros, porque não
recebem o necessário incentivo, nem a informação ajustada, nem possuem dinheiro
para requerer a revisão das suas provas.
Tudo quanto se expôs, permite concluir que a revisão das classificações dos
exames do secundário, legítima embora, nos moldes em que é desenvolvida, acaba
por potenciar a discriminação e a injustiça que enxameiam todo o modelo de
acesso ao ensino superior.
O que fazer?
Na sequência de repetidas promessas públicas, o ex-Ministro da Educação -
Marçal Grilo, por via do Decreto Lei 296-A/98, de 25/09/1998, estabeleceu que:
«... o processo de avaliação da capacidade para a frequência, bem como o da
selecção e seriação dos candidatos ao ingresso em cada curso e estabelecimento
de ensino superior, passa a ser da competência dos estabelecimentos de ensino
superior.»
Como tudo mudou no aspecto mas, na prática, ficou exactamente como estava - o
ensino superior quer dinheiro, não quer trabalho! -, no dia 01/08/2001, face ao
descrédito generalizado em que caiu o modelo de acesso ao ensino superior, o
presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) ? prof.
dr. Adriano Pimpão -, declarou aos jornalistas que "uma prova para aferir a
capacidade dos alunos vai ser acrescentada aos exames de admissão ao ensino
superior"...
Um ano depois, está tudo na mesma!...
Não podemos deixar perpetuar o que está mal. O actual modelo de acesso, tem o
inconveniente de ser profundamente injusto e, do nosso ponto de vista, tem a
gravíssima desvantagem de descaracterizar, por completo, todo o subsector do
ensino secundário.
Importa transferir para o ensino superior, de vez, a responsabilidade de
seleccionar os seus alunos. Em consequência, devolver-se-á ao ensino secundário
o seu carácter terminal e a tarefa de, sem a obsessão da "nota" e o atropelo de
comportamentos egoístas, certificar saberes teóricos e práticos intermédios,
tão importantes e reclamados pela sociedade e pelos agentes económicos.
Senhor Ministro David Justino: as escolas estão cansadas de políticos que
apenas ousaram prometer, de políticos que se preocuparam em adornar o seu
desempenho com peças de linda mas ineficaz filosofia pedagógica e de políticos
que transformaram a escola no último reduto (vítima) de afirmação de uma
autoridade que desbarataram numa governação sem critério e sem sentido.
Há gente a mais a viver à custa da Educação e há gente a mais a "empatar", a
prolongar, a adiar, a homogeneizar por baixo, a infantilizar todo o sistema de
ensino.
Senhor Ministro David Justino: Mãos à obra. Vamos acreditar. Coragem. E, por
favor, seja diferente. Não prometa... actue.
|