As notícias acerca da intenção do governo de fechar cursos
cujos diplomados não tenham mercado de trabalho e de alterar o financiamento às
instituições de ensino superior em função de novos critérios, embora
perturbadoras, não deixavam de ser esperadas.
É, há muito, conhecido o excesso de cursos em alguns domínios, a inadequação de
outros às necessidades e, suspeita-se, que, em muitos casos, são de baixa
qualidade. Nestas condições, não é aceitável afirmar que recomendações e
decisões que limitem este estado de coisas sejam atentados à liberdade de
escolha dos cidadãos e à autonomia das instituições; o ?regresso à barbárie`,
como alguém já disse! Por diversas razões. Essas afirmações defendem,
implicitamente, a mercantilização de um ensino superior e de
produtos/diplomados sem mercado, sem contudo o melhorarem e ignoram as
condições específicas desse sistema de ensino em Portugal. É, em grande parte,
financiado pelo erário público; o Estado é dos maiores, se não o maior,
empregador dos diplomados; existe alguma dificuldade de obter no sector privado
indicações claras e fiáveis acerca das suas necessidades, etc. Assim, o Estado
não pode ignorar as eventuais assimetrias nesse nível de ensino. Mas os
sucessivos governos têm vindo a alimentar as condições perversas conducentes às
decisões que agora vai tomar. Tendo como referência a formação inicial de
professores e, mesmo assim, sem querer generalizar vejamos algumas dessas
condições.
- Faltaram indicações claras acerca das necessidades do mercado e as
consequentes recomendações. São excessivas (cerca de 330, de acordo com dados
do INAFOP) as licenciaturas que orientam para a docência. O governo sabia-o,
poderia ter tido alguma intervenção moderadora.
- O orçamento das instituições tem sido definido, quase exclusivamente,
com base no número de alunos inscritos na formação inicial, tornando-as
financeiramente cativas desse tipo de formação. Este facto, aliado á
tradicional dependência do orçamento de estado, tem levado as instituições a
correr para à frente, criando cursos de formação inicial muito para além das
necessidades. Tratava-se de uma questão de sobrevivência. As iniciativas para
outros tipos de formação mantiveram-se à margem do streaming da
instituição, débeis e ocasionais, dependentes de financiamentos pontuais no
âmbito de programas europeus.
- O corpo docente foi sendo recrutado e formado em função das
componentes curriculares da formação inicial para a docência e, mais do que
isso, em áreas de intervenção muito específicas que agora são colocadas em
questão. A reconversão torna-se, agora, mais difícil.
- O funcionamento da procura também contribuiu para este estado de
coisas. A obtenção de um diploma/grau académico sobrepunha-se, frequentemente,
aos critérios de qualidade do curso e à sua adequação e utilidade no mercado de
trabalho. Isto deu abertura para todo o tipo de ofertas, sendo neste clima que
proliferaram as instituições de ensino superior privadas.
E agora?
Desde há uns anos que o contingente de jovens diplomados sem emprego no seu
domínio de formação, vai aumentando. Na docência as notícias são preocupantes.
Alguns vão contornando a situação e orientam-se para outras vias profissionais,
outros vão tentando, todos os anos, entrar na profissão que acreditaram que
iria ser a sua. Foi-lhes transmitida a perspectiva e a expectativa de que iriam
ser professores. Mais do que isso, que iriam ser sempre professores. Penso que
esta é uma questão a ser seriamente considerada na formação inicial de
professores. É necessário proporcionar formações que desenvolvam disposições
para o desenvolvimento de competências, ao longo da vida, para responder a
desafios profissionais, para além da área estrita da docência.
A educação não se faz só com professores. A sua qualidade está cada vez mais
dependente de intervenções a montante da sala de aula. São aí necessários mais
e melhores profissionais. O espaço entre a sociedade/família e o professor
tornou-se cada vez mais amplo e complexo exigindo a intervenção de agentes
educativos especializados. Continuamos a formar na convicção de que os nossos
alunos irão ser sempre professores; a formação continua muito estreita,
modelar, receituária e assente em práticas reproduzidas. Não se trata de
preparar para virem a ter várias especializações, mas para serem profissionais
com bases e disposições para, no futuro, desenvolverem competências para
intervir noutros domínios educativos. É cada vez mais esperado que a formação
inicial seja apoiada na análise e conhecimento das situações sociais em que se
encontram as necessidades a que a docência pode responder, mas que também
exigem outras formas de intervenção. É uma formação para o desenvolvimento de
capacidades de análise que sustentem a tomada de decisões; um aspecto da tão
falada formação do professor intelectual, capaz de decidir em configurações
sociais em permanente mudança. Esta orientação formativa encerra disposições
pessoais para ? através da formação ao longo da vida - responder, da melhor
forma, às necessidades no espectro social em que se actua e, se necessário,
para reorientar a intervenção profissional para outros âmbitos dentro desse
espaço.
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