Os constrangimentos à participação activa dos professores,
alunos, encarregados de educação e membros da comunidade no contexto escolar.
Muito se tem escrito sobre a necessidade da integração, natureza
e finalidades desta nova área curricular - Formação cívica - , chamando
à atenção para as rupturas que são necessárias empreender, nomeadamente ao
nível da "mentalidade curricular", das estratégias de aprendizagens e também
para o risco da sua "disciplinarização". No entanto, há uma reflexão que é
preciso recolocar: qual é, de facto, o estatuto das crianças e dos jovens na
organização e desenvolvimento desta nova área curricular? São considerados
cidadãos ou aprendizes de cidadãos? São considerados actores e sujeitos ou
apenas sujeitos de formação?
Ao nível das orientações política e curricular, esta área assume-se como
"espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação para a cidadania (...)"
(Decreto-Lei n.º 6/2001, cap. II, Art. 5º, ponto 3 alínea c) e privilegia a
participação dos alunos na vida da turma, da escola e da comunidade. Sabemos
que os constrangimentos para uma participação activa dos professores, alunos,
encarregados de educação e membros da comunidade no contexto escolar são muitos
e de diversas ordens. Neste texto vou identificar um desses constrangimentos -
a visão adultocêntrica da infância - que, a meu ver, pode fazer com que a área
de Formação cívica se transforme num espaço de construção de uma espécie
de "manual de instruções para os comportamentos em público" e que não dê espaço
à assunção da cidadania das crianças e dos jovens.
Os políticos, os educadores, professores e a comunidade adulta em geral, têm
muita dificuldade em abandonar as suas representações dominantes das crianças
(seres psico-fisicamente imaturos, socialmente incompetentes e culturalmente
ignorantes) e em aceitar o seu estatuto de actores sociais com plenos direitos
de cidadania. Esta dificuldade acontece porque o processo de construção social
da criança está fortemente impregnado de crenças e "opiniões", fazendo derivar
a condição social de adultos e crianças da evidência biológica da sua
diferença. Desta forma, ao encarar a relação adulto/criança como
intrinsecamente humana, se oculta o carácter social de representação
estabelecida e a natureza social, da relação entre adultos e crianças.
Se é um facto que, nas sociedades modernas, as políticas de saúde, educação e
protecção social têm melhorado significativamente a concretização dos direitos
das crianças de provisão e protecção, também é uma evidência empírica uma maior
fragilidade normativa relativa aos direitos de participação e uma grande
resistência dos adultos no que respeita a esta dimensão. Os diferentes
normativos têm remetido a criança a um objecto passivo (a quem se deve cuidar)
e têm-lhe negado a possibilidade de participação plena. O reconhecimento do
direito à participação das crianças passa pelo seu reconhecimento como actores
que, tendo uma vida quotidiana própria, produzem comportamentos culturais,
jogos, linguagens, regras de governo das sociedades infantis, que vão muito
além do que é possível analisar através dos quadros instituídos pelos adultos.
Este reconhecimento implica uma ruptura com o paradigma funcionalista de
socialização que enquanto acção cultural procura agir sobre a sua "natureza"
impondo o "ser", o papel e o mundo do adulto como modelo. Implica ainda uma
reconceptualização do conceito dominante de cidadania que, ao pressupor os
cidadãos como seres racionais e responsáveis pelos seus actos e, portanto, com
capacidade para tomar decisões, condiciona o exercício desse direito às
crianças e aos jovens.
A Formação cívica impõe aos educadores que se dispam de ideologias e,
que sem paternalismos nem permissividade extrema, dêem voz às crianças e aos
jovens, para que, em conjunto, promovam a formação da cidadania e colaborem na
construção dos seus futuros.
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