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Formação inicial de professores: para além dos modelos de ensino-aprendizagem

No domínio do pensamento e intervenção social, a referência a modelos exclusivos, sem reflexão, em cada momento, acerca do seu potencial e limitações face às situações reais, está esgotada. Acontece o mesmo na educação.

Na formação inicial de professores, persiste ainda o tratamento dos modelos pedagógicos através de oposições maniqueístas: de um lado estão os maus modelos e do outro estão os bons modelos. O discurso orienta-se para a adopção do bom modelo enquanto totalidade una e intocável. Nesta orientação formativa falta ainda a desmontagem crítica de cada modelo, em todas as suas partes constituintes a par da análise, também crítica, das novas realidades sociais onde o futuro professor irá actuar. Só por si, a formação por/para modelos não responde ao que se espera dos professores na sociedade que aí temos (e teremos). A crescente diversidade humana é, provavelmente, a mais óbvia das características dessa sociedade e a que maior impacto tem tido nas relações sociais e nas decisões políticas. Cada um espera ou, pelo menos, deseja, ter o direito de afirmar a sua diferença e ter igualdade de oportunidades. Na educação, recai sobre o professor a maior responsabilidade para responder à diversidade e complexidade das situações educativas. E, claro, para isso, não existem respostas modelares feitas. Mesmo que os formandos observem e intervenham em práticas no quadro de modelos pedagógicos, elas são sempre personalizadas, pontuais e localizadas; estão longe de esgotar as infinitas situações e contextos em que, no futuro, terão de intervir.
Não se questiona aqui a qualidade dos princípios e das práticas pedagógicas dos modelos da escola nova, embora, enquanto totalidades, tenham tido os seus lugares e tempos, alguns já muito distantes. As características que as definem são sempre importantes referências para a acção. Por isso, é preciso conhecê-las, adequá-las criticamente às diferentes realidades e mobilizar os seus contributos úteis para a prática pedagógica.
A abordagem crítica dos diversos modelos pedagógicos, em tempo de formação inicial, é (mais uma) condição indispensável para o desenvolvimento de competências que sustentem a estruturação de respostas curriculares em função da diversidade, interesses e necessidades dos alunos; para, nessas condições, assumir e usar o poder de decisão na gestão do currículo num clima de negociação com alunos; para, enfim, ser capaz de se apropriar, de forma fundamentada, consciente e crítica dos modos específicos de estruturar respostas curriculares adequadas.
Nestas condições, os modelos são entendidos e abordados como referências formativas. Não podem limitar a capacidade de análise e questionamento crítico, a disponibilidade para procurar respostas adequadas à diversidade das situações e a tomada de decisões curriculares autónomas. O próprio conceito de modelo tem um peso e importância que lhe foram dados pelo tempo e pela autoridade de quem o concebeu e, ao longo do tempo, o comprovou e desenvolveu. Se, em contexto de formação, não for criticamente analisado, tende a eternizar-se e manterem-se ocultas as suas limitações.
Em alguns casos, os modos de abordagem, na formação inicial, de aspectos relevantes do processo de ensino-aprendizagem da escola nova - por exemplo, o aluno como protagonista das suas próprias aprendizagens e o valor formativo das rotinas diárias na sala de aula – ocultam ou subvalorizam o papel do professor enquanto principal decisor curricular; na planificação, na criação das condições para as aprendizagens e na avaliação. Aquele protagonismo deve ser subordinado a um processo decidido pelo professor. A qualidade do seu trabalho revela-se na qualidade das aprendizagens de todos os seus alunos. E, retroactivamente, na qualidade e adequação dos objectivos que definiu, das actividades de aprendizagem e de avaliação que promoveu. É nesse quadro de fundo que é negociado, distribuído e exercido o protagonismo do aluno. Nele o professor promove processos que assegurem oportunidades de aprendizagem à diversidade dos seus alunos. Nunca é de mais lembrar: o poder dos alunos não é decidido no contexto da sala aula. Vem de fora, da comunidade e da família; expressa-se num capital cultural (Bourdieu) que dá a cada aluno, mais ou menos margem de manobra para exercer o seu protagonismo, fazer uso das rotinas na sala de aula e do trabalho autónomo para as suas próprias aprendizagens. São aspectos que os nossos formandos devem ter em conta nas práticas que observam, nas intervenções que realizam e, no futuro, no seu desenvolvimento profissional.


  
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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