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De novo sentado (a) do lado de lá? E agora o que faço?

Do ensinar ao aprender toda a vida

«Nunca gastei tanta tinta para pintar o cabelo como agora»

«Inicialmente foi um pouco difícil a adaptação. Aos poucos fui convivendo e hoje estou bastante satisfeita com a experiência. Aprendi a consultar e a ler bons livros. Deixei de ter tempo para ler as “revistas semanais” e perdi completamente a curiosidade sobre os assuntos nelas tratados. Hoje tenho a preocupação de seleccionar bons livros»

«Nesta sociedade temos que estar sempre a aprender»

(alunos de um CCF)

Sociedade cognitiva e sociedade da comunicação são alguns dos chavões que nos habituámos a ouvir sempre que dois letrados falam sobre a necessidade de formação contínua. Também no domínio da educação é mais ou menos corrente, sempre que dois professores/educadores conversam, ouvir falar-se de formação ao longo da vida e, mais recentemente, do risco da infoexclusão. Talvez por isso, temos hoje as escolas cheias de professores sentados nos lugares dos alunos. Alguns trocam de lugar na mesma escola/sala, outros, terminado o dia de trabalho, enfrentam a noite com aulas em Cursos se Complemento de Formação (CCF). Mudam-se ritmos há muito alicerçados na rotina de cada um. Geram-se, por vezes, problemas familiares com a ausência de um dos elementos do casal. Sobrecarregam-se de trabalho doméstico os esposos que não entram por ora na formação. Por vezes, ainda, é a família que, mais que nunca, se une para ajudar o formando. Enfim, fazer formação contínua, ser educador, professor e, paralelamente, aluno não é nada fácil.
O próprio sistema escolar incrementou formas de “obrigar” à formação contínua mas pouco se sabe do mundo interior dos profissionais de ensino quando se sentam, do lado de lá, nesses bancos e carteiras que alguns reconhecem ter habitado quando eram alunos. Uns vão por amor ao saber outros, porém, por força do sistema que não os premeia sem esse ritual de vestir a pele de aprendiz.
Que medos vivem durante a formação? Que expectativas tinham no ingresso do curso? Que estratagemas tiveram que usar para sobreviver, viver, aprender, ter sucesso...? Enfim, o que aprenderam, o que passaram a saber, que transformações ocorreram nas suas representações, práticas e identidades pessoais e profissionais?
É por pensar várias vezes nestas questões que, em parte, tenho pedido aos colegas que se sentam na minha frente como alunos que me contem um pouco dessa subjectividade de habitar esses dois mundos: o de educador e o de educando. Faço-o, normalmente, no final das aulas, dos cursos, nesse tempo mais ou menos dedicado à avaliação da(s) disciplina(s), do curso.
Os depoimentos falam por si e mostram que, de facto, as pessoas se transformam, se formam e se passam a pensar de forma mais sistemática. A si e às suas próprias práticas. Claro que, o que se diz fazer nem sempre é igual ao que efectivamente se faz. Contudo, como pedi que me escrevessem de forma anónima, acredito que os formandos tenham conseguido ser sujeitos de si próprios e aproveitar efectivamente para dizer, de forma franca, o que ocorreu nos seus mundos interiores.
«Aprendi imenso, desde a aquisição de novos conceitos até a falar e a ver realidades sociais e educativas com outros olhos. Compreendi que muitas coisas que faço na minha prática pedagógica têm nome».
Ao contrário do que tanta vez se pensa, aprender não significa necessariamente encher o saco que se encontra vazio ou pouco cheio. Aprender é, entre adultos, e antes de mais, como nos ensinou Paulo Freire, ganhar consciência de quanto se sabe para querer saber ainda mais. Mais e mais. Toda a vida.
Será, talvez, difícil recolher as impressões dos formandos no primeiro embate. Formador e formando, ambos vivem processos de exposição mútua e ninguém quer dar parte fraca. Mas, à posteriori, de forma rememorizada, é possível aceder à forma como se viveram esses momentos de início de uma nova fase – de novo sentado(a) no banco de aluno – e compreender o significado tanto das dificuldades sentidas como dos sucessos obtidos:
«inicialmente senti-me como uma criança que não sabe o alfabeto e tem de ler um texto. Agora ainda não sei ler muito bem! Mas já sei escolher as minhas leituras» (aluno de um CCF).


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

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