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Aprender a escutar é um imperativo ético

We are the children of the world (?)
We are children whose voices are not being heard: it is time we are taken into account
We want a world fit for children, because a world fit for us is a world fit for everyone

(Children?s Forum Message, Sessão Especial das Nações Unidas, Maio 2002)


Numa bonita afirmação do seu direito de cidadania, as cerca de quatrocentas crianças presentes na recente Sessão Especial das Nações Unidas, na qualidade de delegados oficiais, produziram um documento extraordinário sobre a forma como veem, e se veem, no mundo. Lembrando-nos que não são apenas o futuro da humanidade, como os adultos gostam de apregoar, mas o seu presente, as crianças fizeram ouvir a sua voz para denunciar e recomendar mas também, e sobretudo, para sublinhar o seu compromisso, a sua participação, na construção de um mundo que, servindo para elas, servirá para todos. Depois de três dias de trabalho, o texto final foi apresentado perante uma assembleia composta por um número impressionante de governantes, desde presidentes a primeiro ministros e deputados, fazendo do dia 8 de Maio de 2002 um daqueles dias que iluminam a história da humanidade e ajudam a dar sentido ao esforço de viver. Pela forma como foi produzido e pela força da sua mensagem, julgamos que o documento em causa merece ser divulgado na íntegra, devendo constituir um texto de referência, mais um, para a educação, esse lugar antropológico onde, de forma privilegiada, se joga a configuração do humano.
O artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança consagra o direito da criança, dependendo da sua idade e maturidade, ver as suas opiniões tidas em conta em tudo o que diga respeito à sua vida. Ou seja, no direito de expressão é, também, o direito de ser escutado que está em causa. Um direito que só poderá ser plenamente respeitado quando vivido como dever, como tarefa de todos e de cada um. O aprender a dizer de sua justiça deve andar sempre a par com o aprender a escutar o outro, numa escuta atenta aos mais subtis sinais de alteridade e, nessa medida, capaz de acolher as vozes que moram no próprio silêncio.
Porém, do ponto vista da responsabilidade profissional docente, é necessário ir ainda mais longe. Não basta escutar, ter em conta, a palavra do aluno, é necessário desejá-la, potenciando situações de aprendizagem que favoreçam a sua emergência. Neste sentido, importa não confundir o ideal de cidadania com o ideal de disciplinação, reduzindo a formação cívica à interiorização submissa de valores tidos como socialmente adequados. Os imperativos de desenvolvimento humano comprometem-nos, neste início de século, na formação de sujeitos sensíveis, critícos e intervenientes.
Precisamente, o reconhecimento da relevância antropológica e ética desta tarefa leva-nos a advogar o primado de um processo pedagógico paciente, e persistente, de alteração de atitudes e de comportamentos, sobre o imediatismo de medidas conjunturais de carácter essencialmente repressivo. Um mundo para as crianças é um mundo construído com as crianças, reconhecidas na sua condição de sujeitos. Reconhecidas, portanto, como seres capazes de participação, uma competência que sabemos fundamental para o exercicío da cidadania e que, como outras competências, deverá ser desenvolvida desde os primeiros anos de vida e de escolaridade. Escutemos, pois, a lição que nos foi dada em Nova Iorque por ocasião da Sesssão Especial das Nacções Unidas, realizada em Maio de 2002.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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