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O voo da pedagogia

Quando na Primavera o casal de mochos que habitava o velho barracão teve a sua primeira prole, toda a vizinhança invejou a sua sorte. A sorte dos recém-nascidos, entenda-se. Afinal os seus pais, símbolos da sapiência, eram igualmente exímios pedagogos; daqueles em que qualquer conversa se confunde com a consulta do mais recente manual de Pedagogia.
No outro extremo do barracão, um já não tão novo casal de andorinhas tivera também quatro novas crias. Ao longo dos anos eles haviam acumulado uma larga experiência na educação de filhotes mas, todos os anos, a cada nova ninhada faziam questão de se interrogarem sobre o melhor processo de ensinar as suas crias a voar.
Melhor pareciam estar o Dr. Mocho e sua esposa, para quem o voo era uma matéria sem segredos, já que essa fora a área de especialização de ambos. Sabiam de cor a sua história, conheciam ao pormenor todas as técnicas, eram peritos na sua arte, dominavam as teorias mais recentes e possuíam conceituados conhecimentos acerca da sua didáctica.
A sua fama era conhecida e isso valeu-lhes inúmeros convites para que falassem a outras aves desse assunto, para elas, tão importante. O casal de mochos chegou mesmo a dirigir algumas acções de formação sobro "Voo Planado" e "Segredos do Voo Nocturno", ainda que isso tivesse subtraído, aos seus rebentos, algumas horas de aprendizagem.
E como eram dinâmicos os Drs. Mocho! Na escola em que leccionavam, todos admiravam o seu envolvimento com as questões do voo. Volta e meia, graças ao seu empenho, a escola era animada com um novo projecto como "O Dia do Voo Radical" ou um "Fórum sobre a aerodinâmica". A consciência da importância do voo na vida de uma ave impulsionou-os para a realização de uma série de reuniões em que a temática era escalpelizada ao pormenor.
No meio de tanta actividade os Drs. Mocho iam-se revezando em rápidas viagens ao barracão a fim de alimentarem os seis filhotes; e pouco mais tempo restava para lhes debitarem, em breves doses, um pouco do muito conhecimento que tinham sobre a arte de voar.
Os dias foram-se passando e, enquanto o casal de andorinhas se desmultiplicava em esforços para atender às necessidades dos seus descendentes e para, em função das suas capacidades e motivações (inexplicavelmente distintas), os prepararem para voar, o casal de mochos desdobrava-se em iniciativas, reuniões e congressos. Por incrível que pareça, encontraram ainda tempo para se inscreverem numa acção de formação que, sabe-se lá porquê, contribuía com alguns créditos necessários à sua progressão na carreira. As "Dificuldades na Aprendizagem do Voo" era para eles um assunto já corriqueiro e algo fastidioso, pelo que optaram pelo "Tratamento Estatístico Informatizado", justificando a procura de um maior número de créditos e mais conforto com a pretensa utilidade de proceder ao registo estatístico de planos e ensaios de voo.
Um dia, alertados por uns estranhos chilreios de alegria, deram conta que os filhotes do casal vizinho se aventuravam já em belos voos (para principiantes, é claro)! Enquanto isso, tudo o que os seus filhotes conseguiam transpor para além do ninho era... tão somente o bico!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 114
Ano 11, Julho 2002

Autoria:

Jorge Branquinho Lopes
Prof. 1º Ciclo, Licenciado em Ciências da Educação. Agrupamento nº 2 de Évora.
Jorge Branquinho Lopes
Prof. 1º Ciclo, Licenciado em Ciências da Educação. Agrupamento nº 2 de Évora.

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