Nasceu em Lisboa a 20 de Junho de 1921.
Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade
Clássica de Lisboa (1945) com uma tese percursora, pois colocou o jornalismo
como objecto de análise académica, A reportagem como género: génese do
jornalismo através da constante histórico-literária. Foi professora no
Ensino Técnico Profissional em diversas localidades do país (Lisboa, Barreiro,
Portalegre, Elvas e Porto, onde efectivou) e professora de Literatura para a
Infância, na Escola do Magistério Primário de Lisboa. Nos seus quase 60 anos de
carreira literária, escreveu mais de 40 livros de contos e poesia para crianças
e adultos. Aos problemas da infância e à defesa dos seus direitos se tem
dedicado com persistência e amor. É sócia fundadora do Comité Português da
UNICEF e do IAC (Instituto de Apoio à Criança).
Colaborou no Jornal do Fundão, A Capital, O Comércio do Porto,
Jornal do Comércio, República, DL, Comércio do Funchal,
DN, Graal, Árvore, Vértice, Seara Nova, Gazeta
Literária, Colóquio-Letras.
Pertenceu à Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores (1965).
Recebeu diversos prémios: 1º Prémio do concurso patrocinado pelo O Século
e RCP (A Garrana, 1943); Grande Prémio de Literatura para Criança
da Fundação Calouste Gulbenkian ex-aequo com Ricardo Alberty, em 1980;
Prémio para o melhor livro estrangeiro (O Palhaço Verde), atribuído,
pela primeira vez, pela associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo,
Brasil, em 1991; Prémio para o melhor livro para a Infância publicado em
1994-1995 (Fadas Verdes), concedido pela Fundação Calouste Gulbenkian,
em 1996. Foi ainda nomeada para o Prémio Andersen 94 (secção portuguesa do
IBBY).
Foi dado o seu nome à Escola Básica 2,3 de S. Domingos de Rana, Cascais;
homenagem à escritora (e à ex-professora) que vive, ainda hoje, os dias com uma
serenidade activa e um empenhamento terno e solidário com aqueles que sempre
amou - as crianças.
O facto de ter estudado em casa, com professores particulares, até à ida
para a universidade, fê-la ter uma educação pouco comum à generalidade das
nossas crianças?
Nessa altura ficava muito ansiosa por ver as outras crianças irem para a
escola. Tinha muita sede de comunicação, tanta como agora tenho; e de solidão,
mas não daquela solidão egoísta. Como hoje, também.
Tendo em conta esse tempo em que aprendeu em tutoria
(ensino doméstico) e os muitos anos de professora na rede pública (ensino de
massas), qual lhe parece o de maior eficácia na aprendizagem?
Com certeza o ensino de massas, quando é feito com amor e com saber. E
com condições de trabalho. O ensino em comunidade é muito importante. A escola
é um lugar de convívio muito importante para a criança.
No seu livro Segredos e Brinquedos (2000) considerava-se uma "professora
de meninos, meninos do meu amar". Teve sempre essa ligação fraterna com os seus
alunos?
Foram eles que me deram o sangue para viver.
José António Gomes, ao analisar em vários textos a sua
produção literária, defende que nela há três grandes temáticas: a infância
dourada, a infância agredida e a infância como projecto. Pode-me falar de cada
uma delas?
A infância dourada é a do sonho e a da inocência, mas uma inocência
sábia. A criança sente o mal mas não desconfia e vê as coisas com os olhos de
quem vê pela primeira vez, é maravilhoso. Foi um deslumbramento que eu fui
apreendendo e vendo ao longo da vida.
A infância agredida é terrível. Agora, a comunicação social faz, muitas vezes,
tema desta infância. Os direitos das crianças estão reconhecidos mas,
infelizmente, ainda há muita criança agredida. Essa é uma mágoa que vou
sentindo, o saber que a criança ainda não é respeitada, amada como devia. E
estou a falar de Portugal mas por esse mundo fora a guerra põe até armas nas
mãos das crianças. Já no fim da "caminhada" saber tudo isto dói mais ainda.
Quanto à terceira, qualquer Estado deve olhar a infância como um projecto
social comprometido, sério. Estamos a deixar de parte o lado maravilhoso do
nascer e do crescer. A criança é sensível ao afecto, percebe bem quando gostam
dela. Ela precisa de um amor responsável. Uma criança que cresce sem amor é uma
criança quase sempre condenada. E não é necessário infantilizar a infância mas
sim encontrar a sua poesia. A criança que tem uma força e uma fragilidade tão
grande deve ter voz. A verdadeira raíz de uma sociedade justa, fraterna reside
nos Direitos da Criança, no seu real cumprimento.
É uma escritora com um "olhar dorido sobre os socialmente
desafortunados e simpatia pelos mais fragilizados". Como vê essa sua constante
chamada de consciência?
Como um apelo para a justiça. Tenho visto muita infância
marginalizada, e não é só marginalidade, mesmo entre os que não têm carências
económicas. Há famílias que são pobres do ponto de vista humano da
sensibilidade para a vida, já nem digo para a sua poesia... Há o cultivar de um
certo egoísmo, eu sei que temos que nos defender, até da vida, mas se por um
lado caminhamos para uma consciencialização dos direitos das crianças, para a
sua efectivação, por outro lado o homem também se deixa envolver num egoísmo
que o empobrece bastante. Mas é verdade que tenho podido contactar com
presenças humanas comoventes de um verdadeiro entendimento da Infância e da
Juventude.
Um crítico literário dizia que a sua escrita ficcional
tinha uma "tonalidade didáctico-moralizante".
Didáctica, talvez, se vier a ser aproveitada nessa vertente.
Moralizante, eu acho que nunca quis moralizar no sentido de impor fosse o que
fosse à vida da criança, mas há na escrita um desejo de amor, de justiça e de
tolerância, de poder apreender a poética da vida. Será isso moralizante?
E sobre a eterna questão das relações entre realidade e
ficção; a sua escrita reflecte a sua experiência de vida?
A ficção emerge da realidade. O sol e o menino dos pés frios (1971)
tem muito de alunos que fui encontrando. Mesmo O Palhaço Verde (1962)
nasceu quando eu estava em Portalegre e fui ao circo e os circos da província
eram muito pobres. Eu acho que o circo tem tanto de mágico como de trágico. E o
"menino dos pés frios" é, por exemplo, um rapazinho que eu conheci no Cabedelo
(perto de Viana do Castelo), que vendia moinhos de vento na praia, chamava-se
Joaquim e foi meu companheiro de praia durante dois anos. Ele dizia-me que os
pais andavam pelas feiras e que ele dormia numa taberna, na estrada, e todos os
dias de manhã lá aparecia ele com os seus moinhos. Aí está uma realidade. Uma,
entre tantas mais.
Na introdução de uma das suas antologias, A Estrada
Fascinante (1988), diz que a organizou para "todos aqueles que procurem
junto da infância e da adolescência uma responsabilidade pedagógica através da
literatura". Considera que a literatura pode ser uma boa fonte na tarefa
pedagógica dos professores?
Pode e deve ser.
Não é apenas um instrumento de lazer?
Não. É preciso brincar para crescer, ter a felicidade de não estar
comprometido com obrigações de um trabalho que não se ajusta à vida da criança.
Toda a vida é aprendizagem... Mas vejo que na literatura dos adultos a infância
está muito presente, embora por vezes de uma maneira quase inconsciente porque
a vida é infância, adolescência e estado de adulto. E há autores de Literatura
para a Infância que trataram com grande delicadeza a infância, portanto esta
literatura é um entretenimento mas não o é de forma inconsequente, tem uma
validade de transmissão de valores humanos, estéticos e de diálogo com a vida e
com os outros. Aprender o valor da alegria e da tristeza é muito importante
numa pedagogia do ser e a literatura para crianças deve ser muito responsável.
Também há aquela puramente lúdica onde a criança aprende a musicalidade da
palavra, o encanto da graça, do brincar. É muito importante a aprendizagem da
língua portuguesa, não falo nas línguas estrangeiras que também são
necessárias, mas hoje talvez se acumule demasiada diversidade de aprendizado
para a criança e ela também precisa de paz, de silêncio. Sabemos que, com a
globalização, o inglês se torna muito importante, mas a criança deve aprender a
beleza do seu falar materno, em plenitude.
Numa outra antologia, Todas as Crianças (1979),
afirma: "oxalá estas páginas ajudem a encontrar a infância". Acha que conseguiu
encontrar a infância, esse "segredo do Homem" de que falava João Santos?
Tenho-a encontrado nos olhos das crianças quando vou às escolas. Nas
ruas. Mesmo no estado adulto a infância tem muita força. Talvez se possa
esquecer a infância, mas há vidas que depois nos dão o deslumbramento de estar
vivo e de ver as coisas sem mágoa, apesar de tudo.
Na sua poesia é nítida a ligação que mantem com a Natureza.
Eu gostei sempre muito de olhar as árvores, os animais, o mar, os
céus, o mundo. É a vida, das várias recordações que tenho da infância. Recordo
que na quinta onde nasci e vivi, em Benfica, havia flores, árvores, animais.
Tal como na aldeia distante da minha avó paterna.
Num poema chega a falar na "cor do silêncio... e verde é o silêncio"
Às vezes perguntam-me porque é que eu gosto tanto do verde e eu respondo que
gosto de todas as cores. Talvez pela natureza ser muito verde, o mar também é
verde... e azul, o verde fugia do arco-íris ao escrever.
Passemos aos nossos dias. Como a vê a Educação?
Eu queria que estivesse melhor, mas é fácil querer isto... Encontro,
no entanto, professores maravilhosos que continuam a querer fazer progredir os
alunos com inteligência e amor. Hoje encontro ainda uma realidade que eu não
tinha, a existência de bibliotecas actuantes. Agora as bibliotecas têm vida,
dantes havia livros em armários...
Não é das que comunga da ideia de que os jovens lêem menos hoje em dia?
Podem parecer ler menos, porque a massa dos jovens escolarizados é grande. Mas
lêem. Antigamente esse espaço de potenciais leitores era muito mais reduzido,
hoje há uma maior diversidade de circunstâncias para se ser leitor. O tempo de
que o aluno dispõe também é diferente. A televisão podia ter um papel não digo
didáctico, no sentido estrito do termo, mas fecundo na abertura para a cultura,
não uma cultura elitista mas a cultura autêntica da vida com verdadeiro
entendimento da Infância e da Juventude. E também temos os computadores e a
Internet, ainda assim não podemos deixar que a "leitura" fique só por aí. De
forma alguma.
Uma das mudanças tem a ver com o facto de muitas escolas
proporcionarem um contacto directo com os escritores...
Os alunos, muitas vezes, julgavam que os escritores tinham todos
morrido e quando começámos a aparecer por lá... mostrámos afinal que não éramos
o "clube dos poetas mortos"... E, hoje, o encontro é tão feliz. Desses
encontros trago sempre um quinhão de felicidade que os alunos generosamente me
entregam na fraternidade do ler, do seu ler. Uma felicidade que me ensina
tanto. Assim eu possa continuar a aprender.
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