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Pedófilos, serão apenas os Romanos?

A pedofilia não é prática exclusiva dos romanos de Boston...

Romanos, conforme os Cânones 1, 2 e 8 do Código de Direito Canónico de 1983, são todos aqueles que dizem pertencer à Sé Apostólica ou Igreja chefiada pelo Bispo de Roma ou Romano Pontífice, definido pelo Cânon 330 do mesmo Código.
Ele, como todos os Sacerdotes ou pastores de almas, como define o Cânon 542, estão obrigados à Castidade, como definido pelos artigos 915, 1632, 2053, 2337 e seguintes e 2374 e seguintes, do Catecismo da Igreja Católica, promulgado em 1992 por Karol Wojtila ou Joannes Paulus Secundus, Servo dos Servos de Deus. Infante é definido pelo Cânon 98, Parágrafo 2: "A pessoa menor, no exercício dos seus direitos, está sujeita ao poder dos pais e tutores..." e no Cânon 99. Este último, diz: "Quem habitualmente carecer do uso da razão, considera-se que a não possui e equipara-se aos infantes". O Código Civil de Portugal, que rege as vidas dos cidadãos desde 1867, reformulado em 1966 e em 2001, diz no seu artigo 66 que: "A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida" e define a sua capacidade dentro da vida social no artigo 130: "Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens", enquanto que o artigo 128 do mesmo Código, refere: "Em tudo quanto não seja lícito ou imoral, devem os menores não emancipados obedecer aos seus pais ou tutor e cumprir os seus preceitos". A Constituição da República Portuguesa de 1976, reformulada em 2001, no seu Capítulo I define os Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, num extenso articulado, que começa nos números 24 e 25 - defesa da inviolabilidade das pessoas, o seu Direito à Vida e à sua integridade pessoal. Constituição retirada das experiências históricas dos anos prévios a 1974, das experiências, também históricas, da Monarquia derrubada em 1910. Especialmente, da falta de Direitos e Responsabilidades, como hoje definidos e defendidos no Livro II do mencionado Código Civil. E, finalmente, o Código Penal de 1998, que define no seu artigo172: Abuso sexual de crianças.1- Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos; 2 - Se o agente tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor de 14 anos é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos,...

Palavras, palavras, palavras. Para eruditos, não para o povo. Não é apenas o conhecimento do Catecismo actual que faz falta, bem como o da existência e conteúdo dos Códigos Canónico, Civil, Penal, da Constituição que levou anos para ser reconstruída em Portugal, após uma Ditadura que continuava uma Monarquia acabada antes. Pelos factos e pela lei. Palavras, palavras, palavras. Não são apenas os romanos de Boston que aparecem a praticar a pedofilia. Entre nós, ficou célebre o julgamento de um Presbítero na Ilha da Madeira, a plataforma do tráfego da crianças entre o nosso país e os países ricos da União Europeia.
Os amantes das relações com menores, satisfazem a sua emotividade e desejo sexual, com seres humanos que não têm o saber de conceitos e sentimentos que orientem a sua sexualidade. No país denominado dos brandos costumes - nós -, deverá a criança ser inutilizada para a sua vida adulta, ao ser alvo do carinho, emotivo e erótico, por parte de alguém que é suposto saber quais as suas opções, direitos e obrigações? Porquê apenas a Igreja Romana a submeter-se a julgamento público, para limpar as nódoas espalhadas pelos pequenos corpos de grupos sociais infantis? Onde ficam os adultos, pais e tutores que não fazem da sexualidade uma conversa de mesa, como quando se fala do Benfica, de Seul, do aumento do IVA? Conclave de Bispos, reuniões de Padres? Onde ficam as dos pais de família, mães e pais - normalmente mães - a defenderem o saber de opção que uma criança tem? As associações de pais e encarregados de crianças em idade escolar, quando reúnem, apenas para tratar entre eles esse terrível tema feito tabu, da natural sexualidade?
Eu estudo crianças e, como Antropólogo, não estou obrigado a segredo das histórias que eles me contam. Mal oiço que um dos pequenos que trabalha comigo tem sido abusado pelo avô com quem dorme - não há mais camas em casa -, falo com os seus adultos. Com o cuidado devido pelo temor do castigo que os pais vão infligir no pequeno que, abusado sexualmente por um adulto, é abusado pelos seus próprios membros de família ao ser punido por acções que ele não entende, nem sabe. Nestes casos puxo pelas leis, infelizmente desconhecidas para a maior parte da população. Quem lê o Catecismo para se educar, em geral, sabe essa síntese de trinta páginas do Pai Nosso e dos Dez Mandamentos, ou as bases elementares da Constituição que as campanhas políticas ensinam. A pedofilia está no adulto não conhecedor de outra matéria que não seja o seu direito a um salário. A pedofilia é dos ricos que traficam com a pobreza da população, como diz o Boticário de Mantua de Shakespeare no seu Romeu e Julieta: "A tua pobreza pago, não a tua vontade". Como acontece na Madeira, dizem os jornais e os noticiários televisivos.
Quando, pois, um Concílio de Mães e Pais dentro das escolas, nos lares, para tratar de pedofilia e da sexualidade de forma normal, natural, por ser uma praga social? Apenas os romanos? E nós?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 114
Ano 11, Julho 2002

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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