Quantas vezes já não olhamos para um céu estrelado e nos
sentimos esmagados pela imensidão daquele cenário insólito, questionando-nos
sobre a origem das estrelas e do seu papel no universo? E como começou o
Universo? Com um Big Bang? O que é isso? A astronomia pode ser fascinante. E
acessível. No Planetário do Porto explica-se estes e outros fenómenos que nos
intrigam. E existe até um projecto educativo para as escolas.
É manhã e os miúdos estão irrequietos. A ida ao planetário é um acontecimento.
O que se esconderá por detrás da enorme cúpula que se ergue no meio do
edifício? "Parece quase um telescópio, daqueles muito grandes que se põe no
cimo dos montes", diz o Pedro, onze anos, que demonstra ter já alguns
conhecimentos sobre estas coisas do espaço. Sabe até que foi o Big Bang que
deu origem ao universo, mas não consegue muito bem explicar como. "Foi uma
explosão...". "Eu não percebo é como as estrelas e os planetas ficam assim no
céu, sem nada que os segure...", questiona-se a Mariana, também de onze anos.
Mal podendo esperar para entrar lá dentro, vão-se entretendo a dar explicações
entre si ou a espreitar para a loja que, mesmo ali ao lado, vendia algumas
lembranças daquela manhã.
Poucos minutos depois caminhavam já para o objecto da sua curiosidade, aguçada
agora que estavam a poucos passos da misteriosa semi-esfera. À entrada, nada de
especial. Uma sala redonda, com as cadeiras dispostas em círculo, e uma mesa de
comando para coordenar o projector, que traz à memória um satélite ou uma nave
saída de um filme de ficção científica.
A "noite" não demoraria a chegar. Aos poucos as luzes apagam-se e eis que
inesperadamente surge um céu cheio de estrelas - as mais de três mil que
preenchem o hemisfério norte - impelindo-nos a percorrer detalhadamente o
cenário na tentativa de nada nos escapar. Os habitantes das cidades não têm a
oportunidade de disfrutar desta visão. À excepção de se verificar um apagão
geral, a iluminação artificial não permite que se vislumbrem mais do que
duzentas estrelas. Mas podemos sempre imaginar-nos deitados num campo,
circundados pelo ruído das cigarras, de nariz apontado ao infinito à procura de
constelações.
Perfeitamente visível é a Ursa Maior. A forma quadrada com uma cauda de três
estrelas não deixa margens para dúvidas. Mais ao lado, a estrela polar aponta o
norte. E é muito fácil descobri-la. Basta seguir a linha formada pelas estrelas
mais baixas da Ursa Maior e traçá-la na direcção das duas estrelas mais
brilhantes que aparecem à direita. A distância entre estas duas "guardas",
assim chamadas pelos astrónomos, é então multiplicada por cinco e contada desde
a estrela do canto inferior direito. "Estão a ver, ali?", pergunta a monitora.
"Sim", respondem os alunos, alguns deles comentando com os colegas do lado. E
aquela, tão luminosa? "É Sirius, a estrela mais brilhante do céu".
Qual é a cor das estrelas?
As estrelas sempre tiveram um papel especial no imaginário do Homem. Desde
tempos remotos que desenhamos figuras com elas para representar
entidades divinas ou acontecimentos do quotidiano. Na antiguidade, as estrelas
foram agrupadas em conjuntos de formas características a que se deu o nome de
constelações. As actuais constelações do céu boreal conservam as designações
que lhes foram dadas pelos antigos gregos, e sobretudo por Ptolomeu de
Alexandria, por volta de 150 a.C. As 48 constelações ptolomaicas compreendem os
principais agrupamentos visíveis da latitude da cidade de Alexandria, no
Egipto.
Porém, estas constelações não cobriam o céu todo, porque Ptomoleu e os gregos
não observavam as estrelas do céu austral. Assim, às constelações descritas por
Ptolomeu juntaram-se muitas outras a que foram atribuídos, em muitos casos,
nomes de instrumentos científicos inventados em épocas mais recentes, como
Telescopium ou Microscupium.
Segundo um acordo internacional de 1928, o céu foi dividido em 88 constelações
(18 boreais, 36 austrais e 34 equatoriais), a meio dos dois hemisférios
terrestres. Embora não constituam uma realidade física, até porque as estrelas
que as formam se encontram muito distantes entre si, parecendo próximas por um
efeito de perspectiva, as constelações constituem um instrumento muito útil
para identificar qualquer zona do céu.
Mas basta de História, continuemos a viagem.
Simulada neste céu de 180 graus, a Via Láctea aparece como uma mancha nebulosa
branca, quase parecendo um defeito no écran de projecção. Mas não é. O efeito
deve-se à aglomeração de centenas de milhar de estrelas, que, vistas dali,
formam uma mancha maior e mais brilhante do que aquela que estamos habituados a
ver da Terra. A Oeste, dois pontos brilhantes: Júpiter e Vénus, facilmente
avistáveis a olho nú em condições naturais, mas que, não fosse a explicação da
monitora, podiam perfeitamente passar por mais duas estrelas. E só a nossa
galáxia tem mais de 150 mil milhões...
À medida que vai abordando o Sistema Solar, a monitora vai perguntando aos
miúdos que cores poderão ter as estrelas. Então as estrelas têm cor?
"Amarelas...", ainda dizem uns, mas a dúvida persiste. Pois é: "As estrelas
podem ser amarelas, brancas, azuis e vermelhas, conforme a temperatura que
possuem", explica ela. Mas, ao contrário do que indica o senso comum, se o sol
fosse uma estrela azul teria mais do dobro da temperatura à superfície, ou
seja, cerca de quinze mil graus. Como é amarela, tem cerca de seis mil. Aqui, a
escala da temperatura das cores funciona ao inverso.
Às voltas pelos planetas ficarmos também a saber, por exemplo, que a atmosfera
de Vénus tem condições tão extremas que todas as sondas para lá enviadas foram
derretidas pela chuva ácida e esmagadas pela densidade do ar, noventa vezes
superior ao da atmosfera terrestre. Por essa razão, as sondas mais recentes
apenas orbitam em seu redor, analisando, de uma forma segura, a disrupta
actividade em que permanentemente se encontra.
Mas as curiosidades acerca dos planetas não ficaram por aqui. Um dos
diapositivos mostrava Marte e um dos seus gigantescos desfiladeiros, com cem
quilómetros de largura, cujos cumes chegam aos 8 Km de altura. E se estes são
tão altos como o maior monte da Terra, o Everest, que dizer de um monte que
atinge os 24 quilómetros e tem uma base do tamanho da Península Ibérica?... E
muito mais haveria para contar.
No final toda a gente parecia satisfeita e até houve palmas.
Outras viagens
Para além destas "Visões do Cosmos", o Planetário do Porto apresenta outras
três visitas guiadas pelos mistérios do espaço. Uma delas fala-nos sobre as
origens do universo e da descoberta de planetas extra-solares. Afinal, como
começou tudo? Sabe-se que há 15 mil milhões de anos o Big Bang deu
origem ao universo, e que desde então ele evoluiu, tornando-se cada vez mais
agitado. Os átomos juntaram-se em moléculas, que se foram tornando
progressivamente mais complexas e acabaram por dar origem aos primeiros
organismos unicelulares.
Mas será que a vida surgiu apenas no planeta Terra? Que outros planetas do
sistema solar poderão albergá-la? E fora dele? Na sessão "Novos Mundos" podemos
ficar a saber, entre outras coisas, que a procura de planetas extra-solares
teve um grande impulso a partir de 1994, quando se detectou pela primeira vez
um desses planetas, e que, desde então, foram descobertos à volta de cem, quase
todos gasosos e gigantescos.
Outra das sessões é inteiramente dedicada ao Sol. De uma forma didática,
explica-se que este, além de fornecer a energia que suporta a vida, é também
responsável pelas auroras boreais, por alterações climatéricas e por
interferências nas comunicações e no fornecimento de energia eléctrica. E para
muitas pessoas será surpreendente ficar a saber que, tal como qualquer estrela,
tem um tempo de vida limitado, que se estima ser de cerca de cinco mil milhões
de anos. Nessa altura, o sol será 30 vezes mais pequeno e a Terra estará
incadescente, há muito sem oceanos ou qualquer sinal de vida.
Para completar esta série de viagens, os mais pequenos podem ainda ir à lua com
o Victor. Esta aventura foi concebida para crianças até aos 10 anos, numa
sessão que combina ilustrações com a apresentação do céu nocturno, onde podem
aprender mais sobre as estrelas, os planetas e a rotação da Terra.
Curiosidade pela astronomia aumenta
O Planetário do Porto foi criado em 1998. É gerido pela Fundação Ciência e
Desenvolvimento, instituição fundada pela Câmara Municipal do Porto e pela
Universidade do Porto (UP), contando com o apoio científico e pedagógico do
Centro de Astrofísica da UP. O écran de simulação do céu é um dos melhores do
mundo. A cúpula tem 12,5 metros de diâmetro e oferece uma visão do céu
estrelado do hemisfério norte. No interior, dispostas ao redor, 93 cadeiras
recostáveis permitem uma visão confortável da viagem de 45 minutos que nos
desvenda muitos pormenores desconhecidos. Desde a sua inauguração, o número de
visitantes já ultrapassou os 110 mil, 80% dos quais eram estudantes.
Além do planetário propriamente dito, existe ainda uma Astroteca. É um centro
de recursos multimedia onde mais novos e graúdos podem consultar livros,
videos, e recorrer a computadores equipados com software de astronomia e acesso
a páginas da especialidade na internet.
"Os alunos sentem-se cada vez mais motivados para a astronomia, mas a escola
não está preparada para dar resposta ao seu nível de curiosidade", diz Filipe
Reis, responsável pelo Planetário do Porto, porque os professores das áreas
científicas "não têm formação que lhes permita dar essa resposta". E o
interesse dos mais jovens começa a reflectir-se nas candidaturas à
universidade. Nos últimos anos, refere Reis, "as vagas para o curso de
astronomia da UP têm sido sistematicamente preenchidas".
Para responder a esta procura no ensino básico e secundário, o Centro de
Astrofísica do Porto mantém, desde 1990, uma actividade regular de apoio
científo e pedagógico às escolas. O planetário portátil, que já foi visitado
por 140 mil crianças, é um dos instrumentos pedagógicos mais solicitado. Depois
do 9º ano, os técnicos do Centro de Astrofísica realizam palestras sobre temas
mais concretos, que podem inclusivamente ser sugeridos pelos professores e
alunos.
No resto do país, existem apenas mais dois planetários e centros de ciência com
o mesmo tipo de equipamento do Planetário do Porto, ambos localizados em
Lisboa. Um pertence à Fundação Calouste Gulbenkian, o outro ao Museu de Ciência
da Universidade de Lisboa. Cidades como Coimbra, Faro, Tavira e a Região
Autónoma dos Açores possuem centros de ciência com núcleos de astronomia que,
entre outros meios, recorrem a planetários insufláveis nas suas visitas às
escolas.
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