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Escolas profissionais: entre a empresa e a universidade

Preparar os alunos para o ingresso no mercado de trabalho sem lhes fechar as portas de acesso ao Ensino Superior. Assim se resume o papel a desempenhar pelas escolas secundárias profissionais. As dificuldades surgem no plano curricular onde esta missão é quase incompatível.

O decreto-lei nº 4/98 que regula o ensino profissional é claro: as escolas devem "facultar aos alunos uma sólida formação geral, científica e tecnológica, capaz de os preparar para a vida activa e para o prosseguimento de estudos." Fora do papel, cumprir este duplo objectivo não é tarefa fácil. No plano curricular, as escolas profissionais remetem os seus conteúdos para o contexto laboral de cada curso e proporcionam aos alunos estágios. Aqui reside a grande diferença entre o ensino regular e o profissional. Ao assegurar a componente prática, que lhes é inerente, os cursos profissionais afastam-se dos conteúdos programáticos do ensino geral. Mas são esses conteúdos que figuram nos exames nacionais.
O problema não passa despercebido aos directores pedagógicos das escolas profissionais. Entre eles, parece consensual a ideia de que as escolas profissionais devem essencialmente formar alunos para o mercado de trabalho. É o que defende Ana Mestre, directora pedagógica da Escola de Comércio do Porto, para quem o ensino profissional deve representar uma alternativa ao ensino regular e não um sucedâneo. Neste ponto a directora é peremptória: "não somos fundamentalistas ao ponto de dar os programas curriculares tal e qual são dados no ensino regular para que os alunos possam ir para a universidade". Para Ana Mestre, uma escola profissional em que a maior parte dos seus alunos ingressa no ensino superior não está a cumprir o seu papel. Do mesmo modo, compara a directora, também "não se pode pedir ao ensino regular que coloque alunos no mercado de trabalho."
José Soares, director pedagógico da Escola Profissional Raúl Dória partilha a opinião de que o principal objectivo das escolas profissionais é formar quadros intermédios para empresas.
Sobre as aspirações naturais que parte destes alunos acalenta em relação ao Ensino Superior o director acautela: "entre fazer um curso superior e ir para o desemprego e fazer um curso profissional sabendo que posteriormente tem emprego..." Mas concorda que um aluno do profissional ingresse na universidade por uma questão de valorização pessoal. "O que não pode acontecer é que um aluno ao terminar um curso orientado para a vida activa não se sinta confiante [nas suas competências] para ingressar o mercado de trabalho e, por isso, opte por continuar os estudos", sublinha José Soares.
Confiança não falta a Frederico Reis. Com 18 anos, frequenta o 1º ano do curso profissional de Técnico de Marketing da Escola de Comércio do Porto e acredita que no final do 3º terá bases suficientes para trabalhar numa empresa. Mesmo assim, Frederico acha que essa formação não será suficiente para enfrentar a concorrência dos licenciados nesta área. Por isso, aconselha: "ao terminar o curso, o melhor a fazer é ir para a universidade, para ter mais conhecimentos."
Opinião semelhante tem Catarina Louçada, 17 anos, colega de Frederico. Para ela, a universidade é um sonho que acalenta "desde pequena". Porquê? "O curso superior vai dar-me acesso a um nível de quadro mais elevado do que aquele que me proporciona o ensino profissional", garante Catarina. É uma questão de remuneração? "Também, mas não só", responde, "ter um curso é ter um outro modo de vida".
Sonhos à parte, a realidade é que do ponto de vista curricular as escolas profissionais estão mais orientadas para a inserção no mercado de trabalho. Logo, se um aluno quer ingressar no ensino superior "tem de redobrar o seu esforço pessoal", explica Ana Mestre, directora pedagógica da Escola de Comércio do Porto. De que forma? Completando os seus conhecimentos com as matérias "teóricas", de carácter obrigatório para os exames, que eventualmente não tenham sido abordadas nas aulas. Nesta tarefa, algumas escolas profissionais dão uma ajuda proporcionando aos alunos a possibilidade de frequentar aulas extra de preparação para os exames. Outras, tentam aproximar ao máximo os seus programas dos do ensino regular. Tudo numa tentativa de cumprir o duplo objectivo de preparar o aluno para a vida activa e para a universidade. É que em causa continua a estar o sonho da "capa e batina". Ana Mestre conhece bem este sonho, porém avisa: "o ensino profissional não se pode tornar numa cópia do ensino regular". Sob o risco de inviabilizar os objectivos que o tornaram possível.


  
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Edição:

N.º 114
Ano 11, Julho 2002

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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