As vantagens de ensinar os professores a cuidar da
individualidade quer na aprendizagem quer no relacionamento com os alunos.
Será talvez senso comum dizer-se que cada indivíduo transporta consigo, para
além de uma individualidade frequentemente descurada, uma longa história social
e cultural - para não falar já de uma longa história biológica. Isto significa
que as reacções de qualquer organismo ou indivíduo, mesmo tratando-se de
reacções elementares, poderão ser vistas como imensamente complexas e
portadoras de infindáveis segredos acerca da vida e do funcionamento da
natureza humana. Por isso mesmo, cada organismo e cada indivíduo pode ser alvo
da formulação de imensas teorias do ambiente onde viveu, da sua relação com o
ambiente, de si mesmo e do seu desenvolvimento e transformação, do seu
envelhecimento, etc.
Este facto parece não ser tido em conta no caso da preparação de muitos
profissionais cuja missão é a de cuidar de cada indivíduo. A atenção à
particularidade, à individualidade, tem sido mais equacionada como se se
tratasse de um epifenómeno de leis mais gerais do que como um centro nevrálgico
de onde pode emanar conhecimento legítimo. Continua a haver muito mais a
preocupação em conhecer as "doenças" do que os indivíduos, ignorando que cada
indivíduo contém tudo aquilo que é necessário e importante conhecer-se.
Centrarei este apontamento no caso da preparação dos professores e procurarei
mostrar o que se ganharia com uma formação que educasse o cuidado com a
individualidade, ajudando cada estudante de docência a construir visões mais
clínicas do que técnicas, mais práticas do que teóricas, mais instrumentais da
acção do que elaborações filosóficas desencarnadas acerca da sua
experiência com os seus estudantes.
Talvez que o primeiro ganho de uma formação que eduque o cuidado com a
individualidade seja a aprendizagem de que não há conhecimentos garantidos mas,
antes, que o conhecimento e cuidado para com os outros se constrói a cada passo
da nossa interacção. E esta, longe de se fazer com o que a pessoa sabe, faz-se
sobretudo com o que a pessoa é. Por outro lado, dizer-se que não há
conhecimentos garantidos significa que não há conhecimentos prévios que sejam
garantia do que quer que seja. É a pessoa do professor a sua apresentação
central, o leito alimentar principal do seu conhecimento, e, por isso, é ela
que lidera, que está à frente de qualquer outro conhecimento. Por outras
palavras, é o que o professor é e não o que ele sabe, a pedra basilar do seu
conhecimento. O cuidado para com a individualidade dos outros exige um grande
cuidado para com a própria individualidade.
O segundo ganho seria como consequência do anterior o aumento da sabedoria. É
costume definir-se esta como o saber que vai para além do conhecimento ou como
o conhecimento que vai para além daquilo que é sabido. De facto, uma educação
para a individualidade assume como um saber importante, a própria acção e a
emoção, motivação e significado nela contida - ingredientes aos quais só de
forma translúcida acedemos através da palavra. Por isso mesmo, uma
educação para a individualidade também se centraria na acção e não apenas no
conhecimento e muito menos no conhecimento sem acção (que em si próprio é um
contrasenso evolutivo). A sabedoria seria pois o resultado do andamento
paralelo da teoria e da prática, do saber e do fazer que levaria àquilo a que
Manuel Patrício chamou um dia o "saber fazer ser" (a propósito de uma escola
cultural).
Um terceiro e último ganho de uma educação para o cuidado para com a
individualidade seria a consciência de que o "saber clínico" assim adquirido
não dispensa nenhum outro saber. Com efeito, o saber clínico alimenta-se de
todas as possibilidades de conhecimento, procurando aceder e construir
artisticamente as multipossibilidades de viabilização das acções, pensamentos e
percursos individuais.
Uma educação para o cuidado com a individualidade seria, assim, se quiséssemos
uma generalização, uma educação para a acção, para a sabedoria e para o
antifundamentalismo - elegendo estes como instrumentos centrais do
nosso próprio desenvolvimento e do desenvolvimento dos outros!
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