O conflito israelo-palestiniano visto de Portugal por uma professora e
investigadora brasileira.
Vivo e trabalho no Brasil e, por um ano, estou a fazer um pós-doutoramento em
Coimbra. Muito tenho aprendido, certo, na Universidade, mas sobretudo nos
momentos do quotidiano da vida em uma cidade estudantil e tranquila, com
aqueles que me estão próximos.
A experiência em Portugal tem mudado minha relação com o mundo, captado, agora,
através dos noticiários locais. Os temas são os mesmos, e outros, mas os mesmos
também são outros, na importância e no enfoque que aqui lhes dão, nos debates e
valores que perpassam esse fazer notícias por aqui. Há muitas diferenças, nas
escolhas e no tratamento. Previsível? Talvez, mas me impressiona a força com
que o "ponto de vista" europeu emerge, tão diferente do estadunidense, que
preside as escolhas de lá.
Um dos assuntos abordados de modo muito diferente do que vejo no Brasil é o
conflito israelo-palestiniano. Para nós, parece distante e tão velho quanto
"andar para a frente", quase bíblico. Sob a influência estadunidense - como
quase tudo na América do Sul - nossos jornais e telejornais contam uma história
sem dor nem sabor; narram episódios e fatos quase desprovidos de sujeitos, do
tipo "Hoje aconteceu...". E assumem sua preferência por Israel.
Aqui, talvez pela tradição de uma certa cumplicidade europeia, infelizmente só
discursiva, com a causa palestiniana, as notícias me parecem ter outros tons.
E, certamente, a fotografia do "Público" de 2 de maio tem outra cara.
Seis crianças em torno de uma menina de onze meses morta ilustram a notícia
sobre "O Fim do cerco a Arafat". A legenda anuncia: "Cinco crianças mortas em
Rafah e em Belém". Sei que muitos nem sequer se detiveram sobre a foto ou a
notícia, cansados que estão de tanta guerra e destruição. Eu também estou. Mas
a presença da foto me fez ler, na notícia, a ideia de que é preciso atentar
para o seu sentido maior, que ultrapassa a guerra, e chega ao futuro que
estamos a construir.
Esse conflito produz miúdos mortos e outros que já não são capazes de se
horrorizar com isso. Foi o que deteve meus olhos na imagem. A ausência quase
total de espanto nos rostos infantis que observam, com atenção, a miúda sob as
flores, é assustadora. As crianças observam, mas suas expressões evidenciam as
marcas da banalização da morte de crianças, que o nosso mundo está a lhes
ensinar. Bons aprendizes, parecem já saber quanto vale suas vidas, de miúdos
palestinianos, no mundo dos GRAÚDOS: muito pouco. Um deles chega mais perto,
como a esperar por uma reacção da pequena. Ainda não sabe que não virá?
Mostram, ainda, a curiosidade "natural" dos miúdos, mesmo nas situações limite.
A beleza da imagem, e a da miúda morta, contrastam com o horror que retratam,
com o qual nos vimos acostumando mais e mais. Como professora, estudiosa dos
processos quotidianos de aprendizagem que permeiam nossas vidas e as de nossos
miúdos, penso, a partir do que vi, nas possibilidades roubadas dessas crianças,
de uma formação digna, do direito a respeitar o outro e a ser por este
respeitado. Que valores estamos ensinando aos nossos miúdos nesse mundo? Como
podemos esperar que, em meio a escombros físicos, psíquicos, morais e sociais
eles possam vir a acreditar na vida, na felicidade, num mundo melhor, e a lutar
por isso? Pensemos a questão, em qualquer sítio, fundamental.
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