Página  >  Edições  >  N.º 113  >  Resistências à Lógica de Projecto na Formação de Professores

Resistências à Lógica de Projecto na Formação de Professores

Sabemos, os que estamos na formação inicial de professores, que subsiste ainda, na concepção dos respectivos planos curriculares, uma lógica essencialmente, aditiva. Definem-se as disciplinas de modo a completar a dotação temporal para cada componente de formação, muitas vezes, com fraca articulação entre elas.

Em alguns casos, podemos dizer, existe uma lógica corporativa no arranjo curricular, com predominância de certas disciplinas e cargas horárias, resultante da influência relativa de certos professores/formadores e departamentos/áreas. Mas, quase sempre, resulta uma excessiva pulverização disciplinar contrariando o recomendado princípio da integração. É verdade que, pela sua natureza, os conteúdos da formação inicial de professores e, em particular, de professores do 1º ciclo, são já diversificados. É esperado, que esses docentes sejam generalistas nas principais áreas científicas. Esta diversidade apela à participação de professores/formadores com percursos e interesses muito diversificados, aumentando a tentação para pulverizar disciplinarmente os conteúdos de cada componente de formação. É, obviamente, uma situação diferente da que se verifica na formação em áreas de saber mais específicas: História, Geografia, Matemática, etc onde a generalidade dos professores/formadores participam da mesma área de saber e têm mais interiorizada a finalidade da sua acção formativa. Tal interiorização tem sido mais difícil no domínio da formação de professores. Cada um reconhece-se e é reconhecido como especialista numa das componentes de formação ou de uma disciplina específica como pouca comunicação profissional e científica entre eles. A falta de conhecimento ou sensibilidade para a área de docência do curso em que participa, aumenta a tentação academista e individualista, incompatível com um projecto de formação profissionalizante. Tem, portanto, faltado uma concepção participada e integrada de formação enquanto projecto e a projecção intencional da intervenção de cada um e de todos para uma mesma finalidade: a formação de docentes com um perfil final definido por um conjunto integrado de competências. Esta dispersão repousa comodamente em falsas convicções: os alunos vão fazendo progressivamente as necessárias integrações ao longo do curso, a integração das diferentes componentes realiza-se, depois, na intervenção educativa/no estágio, etc. Falsas convicções, porquê?
A integração é expressa por formas elevadas de competências, muito mais complexas do que a diversidade dos saberes parcelares que as constituem. Integrar exige a capacidade de reconfigurar competências e desempenhos face às situações, seleccionando e mobilizando, para isso, os saberes necessários. E, o princípio da integração, realiza-se através de uma lógica de projecto e esta não é feita de novas disciplinas, designações ou componentes de formação, mas pelo modo como é concebido o plano de formação, se relacionam as suas componentes, se integram os meios e intervêm e participam os actores. Não é um conjunto de acções voluntaristas, mas uma perspectiva de formação com um fundo ideológico que comanda a realização. Nela entram os professores/formadores enquanto principais decisores dessa perspectiva: desde o nível de concepção do currículo ao nível da sua realização. Não é, portanto, possível esperar que os alunos desenvolvam competências integradoras sem que o processo de formação e os formadores, cada um e entre eles, o façam.
Quanto ao estágio, este é, por definição, a componente que deve assegurar a projecção, de modo integrado, para contextos de intervenção, do capital científico, teórico, reflexivo e metodológico que os formandos foram adquirindo e desenvolvendo nas restantes componentes do curso. A ausência do sentido de projecto e da dimensão integradora durante o curso tende a produzir rupturas entre a prática pedagógica e as componentes teóricas do curso, ocultando a importância da análise crítica e reflexiva dos processos educativos e das mudanças sociais nos contextos em que o futuro docente terá de actuar profissionalmente. Naquela ausência, o estágio apresenta-se como última oportunidade de aprendizagem prática, por imitação e reprodução acrítica e pouco questionada das práticas observadas, antes do formando iniciar a sua vida profissional.
A passagem de uma lógica aditiva a uma lógica de projecto na formação inicial de professores muito ganharia com a consolidação do processo de acreditação dos respectivos cursos. O simples facto de colocar no horizonte da formação as competências esperadas dos docentes a formar e, no processo, os critérios de qualidade para o fazer, constitui factor promotor de uma cultura de formação cientifica e profissionalmente integradora e de processos de cooperação e comparticipação da diversidade de professores dirigidos para a promoção das competências necessárias dos docentes em formação.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 113
Ano 11, Junho 2002

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo