Não há muito tempo atrás, quem leu a crónica semanal de um conhecido colunista
do "Expresso", ficou a saber - quem não sabia - que um denominado "Movimento
Cívico de Pais e Encarregados de Educação" vinha reivindicando do Estado o direito
das famílias a um "cheque educação" que lhes permitisse confiar as crianças
a escolas particulares de seu alvredrio, no reconhecimento, que reclamavam,
da liberdade de escolha do ensino pelas famílias.
Sem tomar explicitamente partido, mas sugerindo que a análise da questão poderia
ter uma relação defensável com o custo do ensino público, o cronista sugeria
que o Estado contabilizasse esses custos e encarasse uma "solução" económica
para defender os contribuintes e, obviamente, alcançar, pela via da competitividade
do Estado com o Privado, a "melhor educação" pedagógica para os alunos.
A seriedade da questão exige muito mais de cientistas da educação e de homens
da cultura do que cabe a um apontamento de jornal que visa apenas ressaltar
o síndrome de uma pandemia desejavelmente ainda em estado larvar, em que se
deverá incluir, também, a tentação de entregar ao Privado o segundo canal da
RTP, depois, provavelmente, o primeiro, e quem sabe até se a RDP, pela mesma
lógica com que o Estado se "dispensou" de jornais.
"Desnacionalizar" - em nome do maior lucro e da menor despesa - e "Menos Estado"
- em nome duma alegada eficácia do particular sobre o estatal - são "slogans"
que soam cada vez mais fortes aos nossos ouvidos, com a mesma perigosidade do
cântico das sereias que desviaria Ulisses do rumo certo, se não se tivesse amarrado,
com os seus marinheiros, aos mastros da nau.
Ao cântico da liberdade da educação, da informação e da cultura, em nome da
redução dos encargos e do anti-estatismo - a breve trecho do Estado só se esperaria
que cobrasse os impostos... para poder pagar os custos das tarefas que o Privado
rejeitasse por não serem lucrativas.
Pense-se nas escolas-empresas que nasceriam como cogumelos por esse País afora,
onde, por justificação do número de habitantes, valesse a pena investir capitais,
e nas escolas deserdadas da sorte que ficariam certamente confiadas à "caridade"
dos Municípios. Pense-se nos critérios que determinariam quem tinha direito
ao "cheque educação", por quanto tempo e em que condições. Pense-se que paulatinamente
os ricos determinariam a qualidade do ensino - o que era de "elite" e de "refugo"
- e os patrões dos órgãos de comunicação social definiriam o "paradigma" da
opinião pública. Pense-se, enfim, no tipo de cidadania que o Privado oporia
à promovida por um Estado sem voz nem leme, só formalmente constituindo uma
emanação da vontade livre e democraticamente manifestada pelos cidadãos.
Salomão estava enganado quando disse que não havia nada de novo debaixo da roda
do sol: na Itália apareceu Berlusconi, e em Portugal vamos ficando à espera
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