O sistema educativo tem estado na mira de colonistas, editores
e promotores de manifestos, mas as soluções que apresentam não novas.
De há uns meses a esta parte, aproveitando a derrocada do governo
do partido socialista e as alternativas eleitorais que se avizinhavam, os nossos
mais ilustres e polígrafos comentaristas, em coro com editorialistas, promotores
de manifestos e assinantes de "cartas ao director", têm vindo a clamar na imprensa
pela necessidade de se tomarem medidas urgentes e radicais que ponham cobro
à situação existente na educação e coloquem Portugal, finalmente, na senda do
progresso.
As receitas avançadas são idênticas e baseiam-se numa lógica argumentativa que,
apesar de simplista, não deixa de ser eficaz junto da opinião pública: a) a
maior parte da educação em Portugal é pública e gerida pelo Estado; b) apesar
das reformas e do dinheiro gasto na educação, continuamos a ser um dos países
com piores indicadores de desempenho na Europa e no resto do "mundo civilizado";
c) portanto, a culpa é do Estado e é preciso substituí-lo pela iniciativa privada,
à semelhança do que foi feito (ou está a ser feito) em outros sectores.
Claro que estas receitas não são originais e têm por detrás um historial de
mais de dez anos, iniciado com as políticas neo-liberais dos governos Thatcher
e Reagan. Elas fazem parte, aliás, do pacote de medidas que o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial têm vindo a aplicar nos países da América Latina,
África, Ásia e mais recentemente Europa de Leste, onde têm programas de reestruturação
económica. São exemplo destas medidas: a "gestão local da escola" com maior
intervenção dos agentes económicos e das populações; a estandardização do currículo
e dos dispositivos de avaliação; a livre escolha da escola pelos pais, com a
introdução de dispositivos de financiamento (vouchers, por exemplo)
que estimulem a concorrência, visando a criação de um mercado educativo e a
privatização do ensino público.
Deste conjunto de medidas, uma das que mais tem merecido a insistência e a simpatia
de alguns "fazedores de opinião", em Portugal como em outros países, é a "livre
escolha" da escola. Veja-se, a título de exemplo, este "condensado de programa"
publicado num editorial recente do jornal Público, de 11 de Abril de
2002, onde, a propósito da necessidade de alterar o actual sistema de avaliação
de professores se escrevia:
"Isto implica uma revolução, pois requer acabar com o actual sistema centralizado
de colocação de professores e passar a sua contratação e avaliação para os poderes
locais. Implica desregular e flexibilizar. Implica
as escolas poderem concorrer pelos melhores professores pagando diferenciadamente.
E implica existir transparência nos resultados obtidos. (...) Por fim, é preciso
que os pais possam escolher a escola dos seus filhos, que se responsabilizem
e participem".
Na impossibilidade de discutir aqui esta questão com a profundidade
que ela merece (pela própria limitação do espaço previsto para este apontamento),
vale a pena recordar que as investigações realizadas nos países que introduziram
estas medidas têm mostrado que a regulação exercida por este dispositivo está
longe de orientar o sistema na direcção com que a retórica liberal pretende
legitimar esta medida (nomeadamente, aumento da eficácia dos resultados, maior
informação e liberdade das famílias). Por um lado, os comportamentos das famílias
não são homogéneos, havendo diferenças claras de estratégias e resultados, conforme
o seu estatuto social e proximidade aos valores escolares, pelo que em vez de
diversificar a oferta o que este tipo de regulação faz é hierarquizá-la. Por
outro lado, entre os seus efeitos mais perversos conta-se o reforço da segmentação
social na oferta escolar, pelo que se pode dizer que, na prática, em vez dos
alunos escolherem as escolas, são as escolas (mais credenciadas) que escolhem
os alunos (mais promissores).
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