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A Escola como lugar de hospitalidade
Definindo hospitalidade como um modo privilegiado de relação humana, marcado pela abertura à alteridade, sobretudo aquela que nos é trazida por outra pessoa, advogamos como responsabilidade ética a tarefa de procurar fazer da escola um lugar de relação, de contacto, de diálogo e de sensibilidade.

A relação de hospitalidade, seja qual for a modalidade que tivermos em referência, pressupõe sempre abertura, respeito e delicadeza. Quando nos dispomos a receber alguém, fazemo-lo com o máximo de cortesia, sem desrespeitar a sua condição de outro. Nesta medida, a hospitalidade constitui um acontecimento ético por excelência, devendo dizer respeito a todas as práticas de relação social que nos permitem fazer do mundo um lugar mais humano.
O sentido de humanidade reclamado por um mundo violento, incerto, problemático e desencantato, como aquele em que vivemos, é indissociável da ligação positiva a um lugar, da referência afectiva aos espaços onde se dorme, onde se come, onde se ama, onde se trabalha e onde se partilham alegrias e tristezas. A este tipo de lugares chama Marc Augé lugares antropológicos por oposição aos não-lugares, esses espaços de passagem desprovidos de identidade. Parafraseando o autor, num mundo onde se nasce na clínica e se morre no hospital, onde se multiplicam, em modalidades luxuosas ou inumanas, os locais de trânsito e as ocupações provisórias, os espaços tendem a deixar de ser lugares de reconhecimento, de proximidade e de encontro.
Pensamos que as práticas de hospitalidade contribuem, precisamente, para dar uma configuração antropológica aos lugares onde quotidianamente se cruzam, na riqueza da sua diversidade e pluralidade, os destinos individuais. A hospitalidade deverá estar presente na relação com todo o próximo, seja este o amigo, o vizinho, o colega de trabalho, o estrangeiro ou qualquer outro. Não no sentido de uma hospitalidade artificial, reduzida a um ritual de comércio e falsa cortesia, mas uma hospitalidade ligada à sensibilidade que é própria do humano.
A sociedade tecnológica favorece o anonimato e, com ele, a solidão necessária também à afirmação de uma liberdade pessoal, mas ao inviabilizar os tradicionais espaços de encontro põe em causa as condições de emergência e de consolidação dos laços sociais. As práticas de hospitalidade, ao mesmo tempo que salvaguardam o direito à privacidade e à intimidade, potenciam a socialização de indivíduos separados, inevitavelmente, pelo mistério das suas subjectividades. Acolher o outro como hóspede significa que aceitamos recebe-lo no nosso lugar, na nossa casa, colocando à sua disposição o melhor do que somos e do que possuímos. Contudo, a nossa casa continua a ser isso mesmo, a nossa casa. Do mesmo modo, o outro mantém a sua exterioridade e o seu segredo. E é na relação permanente com esse segredo, respeitado e valorizado, que crescemos enquanto seres humanos. Ora a escola ocupa, como sabemos, uma posição privilegiada na promoção dos valores requeridos pela exigência de vida em comum, como o da hospitalidade. Importa para isso investir na qualidade relacional dos seus tempos e dos seus espaços, tornando-a num lugar antropológico com tudo o que isso implica em termos de afecto, de memória e de identidade.
Referências
  • Augé, Marc. 1994. Não-lugares. Bertrand Editora. Lisboa.
  • Baptista, Isabel. 1998. Ética e Educação. Universidade Portucalense. Porto

  
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Edição:

N.º 112
Ano 11, Maio 2002

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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