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De tabuleiro na mão

"Somos aquilo que comemos". A frase não podia ser mais acertada. De facto, uma alimentação equilibrada é determinante para o bem estar físico e mental. Só que esta relação causa-efeito está a passar ao lado da maioria. A prova está na adesão massiva ao fast-food que além de atrair os graúdos, cedo conquista os miúdos.


Sem se substituir aos pais, há quem veja na escola um espaço privilegiado para a educação alimentar. Certo é que a "Roda dos Alimentos" sempre constou dos currículos das disciplinas de ciências. Mas aquilo que se come nos refeitórios escolares, está de acordo com o que os livros ensinam? A DECO foi à procura de resposta e detectou falhas na dieta: exagero nos fritos, escassez de legumes e saladas... Estava-se em 1997.

Agora, é a vez de a Página tentar perceber o processo que leva a comida ao prato na comunidade educativa. Afinal, quem faz o quê na área da alimentação, do pré-escolar ao ensino superior? A resposta parece simples: nos jardins de infância e no 1º ciclo, a alimentação é da competência das autarquias; no 2º, 3º ciclos e Ensino Secundário depende do Ministério da Educação e no Ensino Superior é gerida pelos Serviços de Acção Social das Universidades.

Outros aspectos há ainda a considerar: gestão dos espaços, funcionamento dos refeitórios, controlo higiénico-sanitário de instalações, funcionários e alimentos e até os projectos de educação alimentar específicos. Tudo importa para sabermos o que se come nas nossas escolas, para no final sabermos quem é a nossa população estudantil.


De pequenino se torce o pepino...

"A educação do paladar deveria começar no momento em que a criança deixa o leite materno e inicia uma alimentação diversificada. Se deixarmos o açúcar e o sal fora da dieta, elas vão ter menos apetência para os paladares doce e salgado." É desta forma que Susana Ribeiro, nutricionista em regime de voluntariado no Instituto Português de Oncologia do Porto, responde quando lhe perguntamos em que idade deveria ter início a educação alimentar. Por isso, se tivéssemos de escolher um nível de ensino para dar início a uma política alimentar saudável teríamos de começar pelo pré-escolar. Assim sendo, importa saber como se passam aí as coisas.

Por força da lei 159/99, a alimentação escolar nos jardins de infância e 1º ciclo do Ensino Básico públicos é da responsabilidade das autarquias. Cabe-lhes, a função de investir na construção, manutenção e gestão dos refeitórios nestes níveis de ensino. Essa realidade determina que a área da alimentação esteja dependente da maior ou menor capacidade orçamental das autarquias e até da própria sensibilidade dos autarcas. Qualquer análise que se queira fazer à situação passa, necessariamente, por esses dois aspectos.

A Divisão de Educação e Ensino da Câmara Municipal de Gaia é um exemplo curioso e, por isso, o escolhemos. Ao contrário do uso corrente, a gestão da alimentação escolar é realizada por nutricionistas.

Por outro lado, os 87 refeitórios que servem, no concelho de Gaia, os dois níveis de ensino em causa estão adjudicados a uma empresa de restauração. Para Bárbara Camarinha, nutricionista na autarquia gaiense, este modelo facilita a gestão e controlo dos refeitórios. Ela própria visita, diariamente, duas escolas, antes e durante almoço, para se certificar que "as ementas são cumpridas, as quantidades no prato são as indicadas e as normas de higiene e de segurança alimentar respeitadas."

Para além deste trabalho de vigilância, a autarquia está a realizar uma avaliação nutricional às crianças do 1º ciclo do Ensino Básico da Serra do Pilar, Morrasezes, Brito, Curro e Quebrantões. Esta tarefa, que tem por objectivo diagnosticar os hábitos e carências alimentares daqueles núcleos da comunidade escolar, está a ser realizada pelas nutricionistas da câmara com o apoio de alunos do 4º ano de Ciências da Nutrição e Alimentação, da Universidade do Porto.

Uma outra frente em que também está envolvida suscita-lhe igual entusiasmo. Trata-se da Quinta da Avozinha, uma espécie de "projecto pródigo" da autarquia. Situada nas traseiras da Escola Básica de Sandim, a referida quinta vai permitir muita coisa: "os meninos vão poder mexer na terra, fazer sopa numa cozinha regional, visitar um moinho, ver o fabrico do pão desde a sementeira ao forno." Tudo porque "saber a origem dos alimentos é muito importante", considera Bárbara Camarinha ou não fosse ela nutricionista. A iniciativa destina-se às crianças do 4º ano de escolaridade de todo o concelho e arranca após as férias da Páscoa.


Estudo da DECO detecta falhas

Há cinco anos, um estudo da DECO - "Que Alimentação nas Escolas?" publicado na Pro Teste n.º 173 de Setembro 1997 - levantava algumas questões sobre esta matéria. A organização de defesa do consumidor auscultou 509 escolas e visitou 30 refeitórios escolares do 5º ao 12º ano para analisar a sua situação alimentar. A falta de controlo do funcionamento dos refeitórios e a qualidade das refeições estão entre as falhas registadas.

Assim, verificou-se que do total de escolas, 27 não procediam a qualquer controlo. Grande parte dos restantes estabelecimentos de ensino inquiridos, apesar de fornecerem uma resposta afirmativa, admitiram que o controlo se ficava por exames visuais às cozinhas e provas gustativas às refeições. Nos casos extremos, o controlo resumia-se ao facto de um membro do Conselho Executivo (CE) almoçar no refeitório duas vezes por semana.

Contas feitas, constata-se que apenas 178 escolas responderam ao inquérito afirmando que o controlo consistia na recolha de amostras das refeições para análise.

Nos níveis de ensino abrangidos pelo estudo da DECO, o CE é o responsável número um pelo refeitório. Assim, mesmo que ele esteja concessionado a uma empresa de restauração, a administração da escola deve sempre fiscalizar a qualidade nutricional das ementas, a higiene do espaço e dos manipuladores de alimentos. E é fácil perceber porquê. Ainda que os técnicos de acção social das Direcções Regionais de Educação (DRE) e dos Centros de Área Educativa (CAE) confirmem que o trabalho de supervisão e acompanhamento da actividade dos refeitórios seja uma das suas funções, todos concordam que é in loco que se detectam os problemas. Torna-se, assim, claro que só o CE, sempre presente na escola, poderá fazer fiscalização de forma contínua.

Quando o refeitório é concessionado, a DRE impõe um caderno de encargos à empresa de restauração para assegurar a qualidade do serviço. "É nas capitações que as empresas mais tentam fugir", esclarece Ana Lima, da divisão de Acção Social Escolar da Direcção Regional de Educação Norte (DREN). Para evitar a tentação economicista da empresa, o CE deve ter a última palavra na escolha das ementas e solicitar análises às refeições. Assim, exerce um "cuidado de controlo" sobre o trabalho desenvolvido pela empresa.

Para além deste cuidado diário, todos os meses as escolas têm de enviar à DREN, uma síntese sobre o atendimento, apresentação dos funcionários, confecção, qualidade e número de refeições servidas. Quando são detectadas falhas consecutivas no serviço, o técnico dirige-se às escolas, sem aviso, para se inteirar da situação. Em casos de incumprimento grave, a empresa de restauração pode ser multada. Na opinião de Ana Lima, "o ideal seria que os técnicos pudessem ir às escolas com mais frequência, mas a falta de recursos humanos não o permite."

Nos refeitórios não concessionados o Conselho Executivo é "soberano", refere Ana Lima. É patrão e empregado: fiscaliza a sua própria actividade. Por isso, Fernando Carvalho, técnico da acção social escolar do CAE Oeste, está convencido que a "fiscalização interna" do Ministério da Educação, a cargo de técnicos das DRE e das CAE, é "preponderante" nestes casos. "Relativamente aos refeitórios de gestão directa somos a mais valia do processo alimentar, a salvaguarda de que quando aparecem as inspecções das autoridades de Saúde Pública tudo há-de estar correcto", refere.

Apesar de todas as mais valias, "nos últimos cinco anos, as escolas têm apontado sempre a alimentação como uma das áreas de intervenção prioritária", refere, por seu turno, Rui Lima, membro da Comissão de Coordenação de Promoção e Educação para a Saúde (CCPES). Em resposta a esta necessidade, a CCPES criou um projecto de Educação Alimentar, que em 2001 abrangia cerca de 50 escolas do pré-escolar ao 12º ano. "O objectivo é fornecer às escolas instrumentos para que elas mesmas possam detectar as suas falhas e construírem o seu projecto alimentar de resposta", explica Rui Lima. "Não há um projecto alimentar ao nível nacional, nem faria muito sentido, uma vez que a realidade alimentar varia de escola para escola. O que há é uma soma de projectos ao nível local", adianta.


Aprender a comer

Não é nas universidades que os estudantes aprendem a comer." Quem o diz é Armando Osório, administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade do Minho. No Ensino Superior cabe a estes serviços a gestão e o controlo da qualidade e higiene alimentar das cantinas. No entanto, a escolha das ementas pode recair sobre um nutricionista ou um chefe de cozinha. É o que acontece na Universidade do Minho.

No plano nutricional, Armando Osório, afirma existir uma preocupação, por parte do chefe da cantina em elaborar as ementas em função do "gosto" dos estudantes. Mas sempre salvaguardando as questões básicas ao nível nutricional: o menos gordura possível e muitos legumes e saladas. "Não me interessa ter uma refeição tecnicamente perfeita que ninguém come", justifica-se. Uma opinião contrariada por Susana Ribeiro, para quem "a oferta das cantinas deve ser sempre a ideal."

Para esta nutricionista, independentemente do grau de ensino, o refeitório deve ser visto como um espaço de educação e enquanto tal "pode não contribuir para uma mudança imediata dos hábitos alimentares, mas terá sempre de funcionar como modelo de alimentação a seguir."


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 111
Ano 11, Abril 2002

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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