Situar a problemática em questão, dada a sua complexidade
e acuidade, parece-me ser a primeira tarefa a cumprir, dada a ambiguidade dos
termos que emergem como estruturantes da reflexão que é possível produzir sobre
ela. A indisciplina e a violência são temas que, recorrentemente, surgem em
primeiro plano em muitos dos discursos produzidos sobre a educação e, sobretudo,
sobre a escola, encontrando-se hoje bastante naturalizados e vulgarizados. Normalmente,
têm tendência a emergir em momentos de crise das sociedades, seja essa crise
real ou artificialmente construída. Mas tanto numa como noutra situação, não
deve ser negligenciada a sua abordagem frontal, sob pena de vir a atingir contornos
preocupantes e/ou a prestar-se a aproveitamentos orientados para a prossecução
de agendas ocultas.
Estou convencido que muitos desses discursos possuem uma matriz vincadamente
conservadora, procurando identificar a emergência dos problemas educativos e
sociais com a democracia. Do mesmo modo que têm vindo a consagrar a identificação
entre prática política fundada no diálogo com incapacidade de tomar decisões
(muito por força de uma prática governativa recente de que todos fomos testemunhas...),
também esses discursos têm vindo a estabelecer uma forte conexão entre escola
democrática e facilitismo, iliteracia e ignorância (entre outros epítetos nada
edificantes para a educação que todos temos vindo a produzir).
Muitos são os exemplos que poderia elencar para comprovar esta tentativa conservadora
de recuperação da escola tradicional e dos seus valores, mas o que importa aqui
evidenciar é o papel que conceitos como indisciplina e violência normalmente
assumem nesse processo. Se, de facto, as nossas escolas fossem palcos onde aqueles
conceitos tivessem correspondência efectiva, seria fácil perceber a centralidade
de que se têm vindo a revestir.
Mas, como no-lo evidenciam os estudos produzidos em Portugal sobre aquelas problemáticas,
tal situação não se verifica, sendo mesmo considerados como aspectos residuais
no funcionamento das escolas portuguesas. O que efectivamente parece ocorrer
é a uma amplificação de algumas situações, claramente localizadas e caracterizadas,
por parte de algumas formações políticas e de certa imprensa de matriz neoliberal
que, sobretudo desde meados da década de noventa, tem encontrado na escola e
na educação a fonte primária para as suas investidas conservadoras contra o
Estado Social e a Escola Democrática e Pública. Sou de opinião que os temas
da indisciplina e da violência nas escolas possuem o mesmo estatuto sociológico
que os da (in)segurança no campo social, ou seja, ambos apontam para o reforço
das estruturas de controlo social das instituições e das pessoas e não para
o aprofundamento da democracia e da participação dos cidadãos nas diferentes
esferas em que a primeira se constitui.
Se o tema proposto pela Página da Educação contribuir para um debate crítico
sobre estas (e outras) questões que enumerei, nomeadamente a desconstrução dos
conceitos de stress (o conceito de conflito parece-me mais adequado à reflexão
sobre o chamado "mal-estar docente" e ao estudo da escola em geral), de indisciplina
e de violência (dos alunos, apenas?!), então a sua escolha terá sido adequada.
Mas é importante salientar que o tema, tal como é apresentado, parece-me fortemente
contaminado, à partida, por uma ideologia conservadora que urge questionar e
ultrapassar, sob pena de estarmos todos a contribuir para a emergência de políticas
que muitos de nós afirmam combater.
A construção da Escola Democrática e Pública não me parece que esteja directamente
relacionada com o reforço de práticas punitivas e sancionatórias dos alunos
(tal como tem vindo a ser reclamado pelos sectores mais conservadores da nossa
sociedade, nomeadamente através da ênfase nos procedimentos de natureza jurídica
e penal). Pelo contrário, essa escola que se encontra inscrita no projecto educativo
nacional (e europeu), só pode ser construída através da invenção de novas práticas
participativas que envolvam todos os actores escolares e as comunidades envolventes,
e não com políticas que reforcem as clássicas relações de poder que a escola
tradicional tão bem soube (re)produzir.
Por outro lado, os problemas que afectam as nossas escolas na actualidade, sejam
o stress, a violência, a indisciplina, a melhoria das qualificações e dos saberes,
o bem-estar pessoal e profissional, etc., só poderão obter respostas adequadas
se as escolas transformarem os seus modos actuais de funcionamento no sentido
da construção de "comunidades reflexivas", que promovam a integração, necessariamente
no quadro de uma "cooperação conflitual", de todos os actores que nelas vivem
e não o seu afastamento e exclusão. A sanidade das pessoas e das organizações
estaria, deste modo, mais acautelada e assegurada.
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