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"Je force le spectateur..." Jean Vigo

A 14 de Junho de 1931 no Teatro Vieux-Colombier, Jean Vigo faz uma conferência intitulada "Vers un Cinéma Social". O cineasta explicita o subtítulo do seu filme "Á Propos de Nice", "Point de Vue Documenté", que parece influenciado por Dziga Vertov, realizador soviético e "inventor " do "cinema-olho": " Neste domínio, afirmo que a tomada de vista é rei, ou pelo menos presidente da República. Não sei se o resultado será uma obra de arte, mas de uma coisa tenho a certeza: é cinema. Cinema no sentido que nenhuma arte, nenhuma ciência o poderá substituir". E mais à frente: " eu forço o espectador a ver este ou aquele fenómeno visual, como é mais vantajoso para mim mostrá-lo."
"Este documentário social distingue-se do documentário "tout-court" e do jornal de actualidades da semana pelo ponto de vista que "honestamente" defende o autor. Este documentário exige que se ponha os pontos nos is. Se não compromete um artista , ele compromete ainda menos um homem. A tomada de vista é dirigida sobre o que deve ser considerado como um documento e que será interpretado , na montagem , como um documento."
E, falando dos seus "cinedramas": " O fim será esperar que consigamos a razão escondida em cada gesto, extrair de uma pessoa vulgar a sua beleza interior ou a sua caricatura, se se consegue revelar o espírito de uma colectividade depois uma das suas manifestações físicas. E isto com uma força tal que doravante o mundo para o qual ,antigamente , olhávamos com indiferença oferece-se-nos apesar de tudo para lá das aparências. Este documentário social deverá abrir-nos os olhos."
Vem isto a propósito da apresentação da última versão - a quarta- de "L'Atalante " em França.. O filme estreado em 1934 com o título "Le Chaland qui passe " , o filme estava desfigurado a montagem, a banda sonora e até o título original, "L'Atalante", tinham sido modificados. Mas, à excepção dos amigos do realizador, apenas alguns críticos se indignaram. Jean Vigo morre com 29 anos , a 5 de outubro de 1934. Para a história fica como o filme maldito de um cineasta maldito. O epitáfio da revista " L'Esprit", um dos raros apoiantes, parece apelar ao esquecimento: "Havia na maneira de ser de Jean Vigo uma agressividade , um anti-conformismo que devia provocar a cólera do público."
O paradoxo de " L'Atalante " é que após esta carreira frustrante conheceu uma segunda vida longa e agitada: várias versões , ressurreições múltiplas e contestadas, poucos filmes na história do cinema conheceram tantas encarnações.
Quando "L'Atalante" foi apresentado na sua versão de Maio de 1990 , em Cannes , instalou-se uma certeza : o filme era mesmo o que Jean Vigo tinha querido. Entretanto , dez anos volvidos , a Gaumont restaura-o de novo sob a direcção de Bernard Eisenschitz e de Luce Vigo. Terá havido traição em 1990? Com certeza que não, mas há elementos sobre os quais um restaurador tem de fazer escolhas. Eisenschitz explica as suas reticências: "Como toda a gente , conhecia a versão de " L'Atalante de 1940 e a de 1990, que restituía uma imagem notável e um som de melhor qualidade. Mas fiquei sempre incomodado com o ritmo de certas sequências, o lugar de certos planos que não me pareciam jogar com a lógica do filme desejado por Jean Vigo. Parece-me que se quis- num espírito que eu compreendo- restituir o máximo do material encontrado e conservado na Cinemateca Francesa."
" A restauração de 1990 ," precisa Luce Vigo, " foi feita sob o entusiasmo da descoberta de "rushes " considerados perdidos . Jean-Louis Bompoint e sobretudo Pierre Philippe partiram do princípio que Vigo não teria rodado nenhum plano que não quisesse que figurasse no filme. Mas no cinema há sempre cortes. Depois de rever o filme dezenas de vezes, demos conta que ele tinha perdido ritmo."
O restaurador não se arrisca a ultrapassar o seu papel, sobretudo quando as indicações precisas do cineasta não são verificáveis ? É impossível sabê-lo, mesmo se Bernard Eisenschitz e Luce Vigo tentem o máximo rigor. " Se a versão de 1990 permitiu a redescoberta do filme ", acrescenta Luce Vigo , "nunca poderemos dizer que esta versão ou a 2001 sejam "L'Atalante " que Jean Vigo e os seus cúmplices queriam."
Querem apostar que ainda vai haver mais versões de "L'Atalante"? Isso é a prova de que o filme está vivo e ainda mexe, quase setenta anos depois.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 111
Ano 11, Abril 2002

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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