Em última análise, o exercício de qualquer profissão implica uma ética subjacente.
Tratando-se, pois, de um quesito profissional passam a estar em causa competências.
Competências que envolvem, nomeadamente, a assunção de responsabilidades específicas,
a par de outras que são de âmbito geral. Estas últimas desprender-se-ão da própria
vida em sociedade enquanto que aquelas entram no espaço da formação profissional.
No caso concreto da actividade educativa, a dimensão comunitária que esta assume
de modo crescente, a qual envolve a partilha de projectos e de acções estrategicamente
pertinentes, acarreta a extensão da ideia de competências educativas para além
do estrito exercício das funções docentes. Esta será, inclusive, a única forma
de se garantir a comunicação efectiva entre os actores, ou seja, a sua co-responsabilização,
tirando-se mesmo partido da diversidade de papéis sem que se corram os riscos
do alheamento ou do cumprimento meramente formal de obrigações.
Assim sendo, até onde se repetem e se destrinçam as competências éticas dos
professores relativamente às de outros protagonistas da cena educativa? Repetem-se,
em poucas palavras, até ao momento em que a solidariedade constitui um dever
de cidadania; distinguem-se desde que a relação do professor com o aluno é mediada
pelo saber em termos de conteúdos, de atitude crítica, de estudo e de métodos
de aprendizagem. Se as competências docentes não se esgotam no exercício comum
da cidadania, embora passem necessariamente por ela, a verdade é que passam
inalienavelmente também pela capacidade de proporcionarem o acesso criativo
ao conhecimento e aos processos de este ser mobilizado em favor da integração
activa - competente! - dos alunos na vida.
Acresce que os professores não são - não deverão ser - os únicos profissionais
da educação. Aspecto particularmente importante quando a educação escolar, no
contexto de uma sociedade aberta, é cada vez mais percorrida pela chamada sociedade
da informação, ao mesmo tempo que é exposta à crítica social e condicionada
pela tumultuosidade de práticas que, excedendo-a, a cerceiam fortemente. Os
educadores sociais aparecem aqui como interlocutores privilegiados, igualmente
imbuídos de uma ética social da solidariedade, mas com a importante particularidade
de, libertos de incumbências directas no desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem,
terem uma atitude profissional prioritária diante das problemáticas relacionais
entendidas como envolvências decisivas para o sucesso dos projectos de vida.
Não se tratando aqui de morais de convicção mas antes de éticas profissionais
- ainda que com uma natural conexão com padrões morais culturalmente assumidos
-, impõe-se a sua codificação racional, susceptível de formar e aferir coerentemente
comportamentos, eles também, profissionais. Contudo, sendo de igual modo a participação
uma exigência e um dever de cidadania, a implicar o reconhecimento dos direitos
à intervenção educativa de actores não profissionais neste domínio, impõe-se,
para além dos códigos deontológicos dos professores e dos educadores sociais,
a definição, para aqueles, de códigos cívicos aglutinadores de parâmetros de
referências éticas. Estes códigos sintetizariam, no fundo, as competências de
âmbito geral comuns a todos, profissionais e não profissionais, afinal, todos
educadores de uma ou de outra maneira. Educadores e, portanto, responsáveis
susceptíveis de uma avaliação, naturalmente diferenciada mas igualmente reguladora.
Tratando-se de uma área muito sensível e com grandes margens de subjectividade,
importa que os códigos referidos não sejam obra de uma pretensa racionalidade
eticista, mas antes produtos de processos de construção de consensos. Esta via
dialógica - fortemente consciencializadora - permitirá ultrapassar a arbitrariedade
dos relativismos sem cair na arrogância de uma insustentável positividade científica.
A partir daqui, propomos os seguintes tópicos como base para uma discussão alargada
mas consequente e fundamentada.
- De uma forma genérica, a educação - escolar e não escolar -, deverá visar,
como prioridade, a formação de competências éticas nos próprios alunos.
- Desde que aceite o ponto anterior, terá de ser reconhecida a exigência de
qualificações adequadas para o exercício de funções educativas com relevância
institucional, sejam elas quais forem.
- Os professores terão de disponibilizar aos alunos o acesso a conhecimentos
e a metodologias de trabalho que lhes assegurem a sua autonomia enquanto sujeitos
construtores dos respectivos itinerários académicos e profissionais. Terão de
desenvolver assim, eles próprios, práticas correntes de pesquisa, de estudo
e de indagação que lhes permitam projectar coerentemente atitudes de curiosidade
científica e comportamentos reflexivos caracterizados pela criatividade, pela
crítica e pela abertura à inovação.
- Os educadores sociais terão de garantir, por seu turno, que têm capacidades
para o incremento de comportamentos assumidamente relacionais, para a consideração
positiva da conflitualidade, para assegurar o desenvolvimento harmonioso da
auto-estima e, de uma forma integrada, para o acompanhamento subtil da imprescindível
mas inevitável fragilidade dos projectos de vida de cada educando.
- Aos restantes actores educativos - designadamente os pais e os encarregados
de educação - será de exigir abertura à superação reflectida de estereótipos
comportamentais, a recusa consequente da violência e o empenhamento cívico na
edificação de processos educativos de cidadania, desde as pequenas rotinas do
quotidiano aos desafios colocados pelos projectos de escola.
Este último tópico terá obviamente de ser partilhado pelos profissionais da
educação precisamente para que, havendo exigências recíprocas, haja, por essa
via, uma plataforma capaz de suportar as práticas colaborativas.
E as próprias competências éticas dos alunos ...
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