A ingratidão da tristeza
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Para esse pai que soube guardar as suas tristezas, Alfredo Moreira
- Não procuro um inimaginável mundo novo, como Aldous Huxley pretendeu em
1932. Quero lembrar uma espécie de código para a criança. E reconhecer a existência
da tristeza no mundo em que vivemos para o que basta ouvir as notícias que
nos atingem e nos deixam...tristes. Tristeza que a infância não compreende.
A criança usa outra epistemologia para classificar o mundo. Não há os de cima
e os de baixo, os da direita e da esquerda. A criança está a aprender. Os
conceitos não são um peso para elas. A criança é um conjunto de sentimentos.
Se compararmos a sua atitude com a do adulto, entendemos a diferença: o adulto
raciocina, escolhe, opta, respeita as hierarquias ditadas pela lei ou pelo
costume. Ordem cultural para ser obedecida se quer interagir e ser aceite
na sua interacção social. Como Adam Smith formulou em 1759 na sua teoria dos
sentimentos morais: para sermos aceites, é preciso sermos simpáticos. Foi
nesta base que organizou em 1777 a sua teoria da riqueza das nações. Teoria
formulada para proveito pessoal, individual. Teoria que ainda hoje nos governa,
mais depurada, apurada e selectiva. Por pretender proveito, fama, boa reputação,
poder, hierarquia. Sem estas mais valias, a alegria desaparece. É substituida
pela tristeza.
- Sabemos desde 1950 com Erik Erisson, que a Sociedade integra a infância
em qualquer cultura. E com Lynne Murray e Liz Andrews, a partir de 2000, que
o bébé é social enquanto adopta ou rejeita o que fica perto dele. A criança
não escolhe entre caro e barato. A criança escolhe entre o que é do pai ou
da mãe, da família ou dos vizinhos. Com quem gosta ou não de estar. Esconder
a sua pessoa da vista dos outros, esperar ser achada, dar um, fingido ou não,
grito de surpresa: ìaÌ é que estava...!é, uma frase que delicia a pequenada.
Anima-se se consegue escapar para os sítios proibidos por parecerem perigosos
às pessoas que tomam conta dela. Sabemos por observação o prazer que causa
à infância fazer barulho, viver entre pessoas que para as defenderem, desafiam
outros que podem representar uma ameaça para a sua pessoa, entendimento ou
afectividade. A criança é um conjunto estruturado de emoções, orientadas pelos
adultos. Dos adultos o primeiro é a mãe; como substituto, o pai. Eventualmente,
outros ascendentes ou pares como avôs, tios ou irmãos. São a mais valia procurada
pela sociabilidade da criança.
- A tristeza é ingrata. Fere a compreensão dos mais novos por derivar, normalmente,
da falta de resultados. A tristeza dos adultos é ingrata ao exibirem-se frente
a esse processo de sentimentos morais que confia apenas no branco, no direito,
na carícia, na palavra doce ainda que estrita. Na certeza de atingir o que
foi dito e dado como certo. A criança acredita. A base do seu saber é a confiança
depositada nos adultos como cofre de um banco. A tristeza é ingrata por derivar
duma concorrência desconhecida na idade infantil. A tristeza procura nesse
processo de sentimentos morais, uma explicação para os motivos e razões da
riqueza das nações. Tristemente ingrata a tristeza por não respeitar o saber
da criança social. Saber que o adulto sistematicamente desconhece ao definir
um mundo de procura de mais valia como objectivo final da vida do bébé social.
Que, às tantas, descobre que a concorrência é o esmagamento dos mais fracos.
Comportamento que abate a sua forma de entender: esse referido processo emotivo
capaz de subordinar a racionalidade acumulada no seu crescimento, a capacidade
de amar, acolher, distinguir, aceitar, fugir, detestar. A tristeza do adulto
é a desforra da criança. Como tantos pais entendem e sabem guardar a sua para
ajudar no crescimento dos seus pequenos.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 11, Abril 2002
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Autoria:
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
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