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Manifestos e...

"No momento em que as grandes utopias do passado se esgotaram, é no espaço da escola que o professor pode encontrar as pequenas utopias que dão sentido à sua prática profissiona.l"

António Nóvoa

Depois do manifesto dos economistas e antes do manifesto da Família, lá apareceu, com honras de abertura nos telejornais, o Manifesto da Educação. Um manifesto que levou a uma declaração da Direcção Editorial do "Público" a queixar-se que o "Diário de Notícias" não respeitara o seu direito de exclusividade quanto à publicação do dito. Um manifesto politicamente incorrecto, chamou-lhe também o "Expresso", vá lá saber-se porquê. Um manifesto útil, para alguns, em tempo de campanha eleitoral, mas absolutamente indigente do ponto de vista do debate sobre os problemas e os desafios que se colocam ao sistema educativo português. Um manifesto que ao nada dizer, mobiliza. E que mobiliza porque nele cada um pode ler o que bem quiser. É certo que nem sempre se pode falar claro, mas não é admissível que um manifesto que, afinal, apela ao rigor e à exigência, o faça de forma tão pouco exigente e rigorosa.
O que me inquieta, contudo, não é o facto de José Manuel Fernandes se ter empenhado tanto na publicação desse Manifesto ou que o arquitecto José António Saraiva lhe tenha concedido a página três do "Expresso". O que me inquieta é não saber se num qualquer contra-manifesto, produzido em nome de uma escola pública e democrática, se seria capaz de reflectir explicitamente sobre o nosso contributo e o nosso não-contributo, enquanto professores, para que essa Escola se possa construir. Somos capazes de falar da responsabilidade dos governos, da administração, da sociedade ou dos pais das crianças e dos jovens, mas seremos capazes de falar da nossa quota parte de responsabilidade pedagógica, profissional e política que temos de assumir, no âmbito do desenvolvimento desse projecto ?
Que somos capazes, eu sei que somos. Não sei é se estamos dispostos a isso. E é porque não o sei que decidi suspender a minha participação, por uns tempos, nesta coluna de "a Página", a qual passa a ser redigida e assinada apenas pela Ariana.
A discussão a fazer, fá-la-ei noutros termos e em contextos de maior intimidade. Em espaços de reflexão menos dados a protagonismos, a respostas instantâneas, a jogos florais, a cattenacios corporativos ou à embriaguez das palavras que se bastam a si próprias. Espaços onde possa manifestar a minha perplexidade, chamar os bois pelos nomes e criar, assim, a possibilidade de compreender como é que as palavras tanto nos podem conceder o mundo, como igualmente nos podem negar esse mundo e, ainda, nos podem fechar, também, no nosso pequeno mundo. Espaços onde se possa discutir como é que aquilo que fazemos nas escolas pode fazer sentido quer para nós quer para as crianças e para os jovens.
Já percebi há muito que os alunos têm as costas largas. As Ciências da Educação, tal como os pais e as mães e o Ministério da Educação, também. Quais são, contudo, e tão exactamente quanto possível, as amplitude das costas dos professores ? Ou será que, tal como os anjos, também nós não temos costas ?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 111
Ano 11, Abril 2002

Autoria:

Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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