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Saudades de Belgais!

Abro o computador para escrever este texto. Com atraso que terá deixado em pânico os responsáveis pela edição do jornal.
O meu primeiro passo, quando quase diariamente faço uma operação igual, é saber das notícias que os periódicos vão fazer desaguar, para nos convencer disto ou daquilo. Consoante os interesses dos que dominam a informação, vigiando a inclinação política dos cidadãos.
Posso ler tudo - costumo dizer aos meus amigos.
E é verdade.Porque uma educação que não subestimou a política, desde muito cedo, me habituou a conhecer a mentira, mesmo quando a mesma para ser segura,traz à mistura qualquer coisa de verdade, como diz o poeta António Aleixo.
Entro, pois, na Internet ( acabo de o fazer) e percorro as gordas dos jornais.
Mas ao tentar sair, uma página que não quis consultar, teima em não desaparecer do écran. Tento por várias vezes, clicando em cancelar, mas a página regressa, convidando à entrada no site.Até que, desesperada com a minha persistente recusa ( já não é a primeira vez que páginas idênticas se oferecem) desaparece deixando-me livre.
Tratava-se de mais um casino on net, oferecendo dinheiro " fácil" para um futuro de ricos.
Ao deixar a rede, dou comigo a pensar no que os jovens fazem a estas e outras páginas ( como as dos sites pornográficos que também se oferecem como opção, sempre que na caixa do yahoo escrevo as palavras sexualidade ou educação sexual)
Dou comigo a pensar como é que a chamada educação formal-a educação que o Estado deve garantir para a formação de cidadãos- como é que essa educação se pode bater, com sucesso, contra tudo o que os chega de um mundo dominado pelos ditames capitalistas. Um mundo que prega o fim das ideologias e que investe na mais perigosa fábrica de clonagem: a clonagem das ideias.
Dou comigo a pensar que valores transmite hoje a educação informal- a que se recebe nas famílias e na sociedade- neste mundo em que nos batemos pela sobrevivência da liberdade e da dignidade.
E como é que os neurónios dos futuros professores- os que vão formar os jovens que hão-de vir- podem dar o salto corajoso de recusar o " Admirável Mundo Novo" que o capitalismo oferece?
E veio-me à memória a proposta do PSD ( Durão Barroso) para o ensino básico. Este, nas palavras textuais que foram ouvidas, servirá para que os alunos o terminem a saber ler, escrever e contar e a amar a Pátria.
Mas como pode compadecer-se o amor à Pátria com a perda de soberania que tanto o PSD como o PS defendem quando apontam como rumo o Federalismo Europeu?
Quanto ao resto do chavão utilizado por Durão Barroso lembra tristemente a época salazarista. Da tabuada cantada nas escolas, numa ladainha onde não entravam os Conceitos fundamentais da Matemática que Bento de Jesus Caraça tão bem democratizou, tornando-os acessíveis a todos na Biblioteca Cosmos!
Mas do PS, ouvimos enfatizar apenas o ensino do Inglês, do Português, da Matemática.
Mas então educação é apenas isto?
E a formação para a cidadania? E a educação sexual nas escolas para que os jovens entendam a sexualidade como a capacidade de amar? E para que seja restituída à mulher a Dignidade de ser humano que é, conjuntamente com o homem?
De repente, assaltam-me as saudades de Belgais.
Numa visita relâmpago à Quinta da pianista Maria João Pires, perto de Castelo Branco, senti de novo aquela sensação de maravilha que fui repescar àquele tempo em que, criança do interior, vi o mar.
São as expressões exactas: Maravilha, Mar.
Porque no Projecto educativo que Maria João Pires desenvolve, e que se dirige a crianças de uma zona afectada pela interioridade, há um mar de amor pelo Futuro e um sentido humanista de responsabilidade do ser humano pela transformação do Universo que maravilha. Uma consciência aguda de que o verdadeiro sentido da vida, está aí mesmo, na actuação do ser humano no plano da estruturação das ideias de acordo com os novos conhecimentos técnicos e científicos sobre o Universo.
Maria João, através da Música e de outras artes, desperta o sentido criativo das crianças, dá-lhes confiança na sua autonomia, prepara-as para a recusa de dogmas. Como o dogma introduzido na vida política de que só há duas alternativas.
Como deve ser bom ser filha de Maria João Pires!
Como deve ser bom estar integrado no Projecto educativo de Belgais!
Hei-de voltar a Belgais!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 111
Ano 11, Abril 2002

Autoria:

Odete Santos
Deputada do PCP
Odete Santos
Deputada do PCP

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