O jornalismo ensina-se? Não tenho bem a certeza se sim ou se não e, sobretudo,
"como". Mas o jornalismo aprende-se, disso estou bem convicto - e por mim falo!
Aprende-se com outros jornalistas, aprende-se com livros, aprende-se com práticas
e confronto de experiências, aprende-se com o tempo, aprende-se à conversa com
quem não é do ofício mas dele usufrui e dele exige, aprende-se nas secretárias
das redacções... Então, por que não também nos bancos de uma escola?
A questão não é que o jornalismo se ensine ou não ensine na escola. A questão
é "o quê" ensinar numa escola de jornalismo - sendo certo que nunca nenhuma
escola ensinará "todo" o jornalismo que qualquer profissional precisa de aprender
para se meter (e manter) no mundo complexo da comunicação social dos nossos
tempos.
Num texto que já é célebre e que tem por título "O melhor ofício do mundo" (ver,
por exemplo, "El País" de 20.10.96), o escritor e jornalista Gabriel Garcia
Marquez dizia: "Talvez o infortúnio das faculdades de Comunicação Social seja
que ensinam muitas coisas úteis para o ofício, mas muito pouco do próprio ofício".
Ora, se se quer ensinar " o próprio ofício", seria conveniente esclarecer que
ofício é esse, afinal... O que não é fácil. Sistematicamente puxado por forças
de sinal contrário, o profissional do jornalismo oscila entre o "técnico" e
o "criador", entre o "liberal" e o "assalariado", entre o "artista" e o "operário".
A ele ascendem diplomados com cursos da especialidade mas também muitos outros,
das mais diversas proveniências, tantas vezes munidos apenas de "jeito para
escrever" e de uma enorme vontade de aprender fazendo, lado a lado com quem
chegou anos antes e aprendeu do mesmo modo - na tarimba do quotidiano. Profissão
"aberta", com as vantagens e as limitações que tal acarreta, o jornalismo continua
a navegar em águas algo fluídas e a buscar um estatuto, uma autonomia, uma definição,
que porventura nunca conseguirá por inteiro.
O erro maior de certas correntes de ensino do jornalismo está em reduzi-lo à
transmissão e prática de um conjunto de técnicas. Nada é mais fácil do que aprender
a escrever correctamente uma notícia, de acordo com as exigências estandartizadas
de uma comunicação rápida e eficaz. Aprende-se depressa, pode aprender-se mecanicamente,
aperfeiçoa-se com o treino repetido. E então quando há algum talento - que também
se educa e desenvolve, é bom frisar -, resolve-se este "saber fazer" em duas
penadas.
Mais difícil, bem mais difícil, é aprender (compreender) o contexto mais vasto
em que se inscreve o trabalho do jornalista e de que modo ele, para além da
eficiência técnica, dá resposta social a um dos direitos fundamentais do cidadão:
o direito à informação. Difícil é perceber (e encontrar formas de viver adequadamente
"com") o sistema em que estas coisas se inscrevem, os constrangimentos políticos,
culturais, económicos, a que é preciso fazer face, o peso e a responsabilidade
da informação junto das pessoas, os aproveitamentos que directa ou indirectamente
dela se podem fazer, as implicações éticas de um trabalho que lida com gente
das maneiras mais sensíveis, as lógicas de uma actividade que oscila entre os
pratos "cultural" e "comercial" de uma balança em equilíbrio sempre difícil...
Isto, sim, é mais difícil de aprender - e de ensinar. Mas, precisamente por
isso, talvez mais premente. E aprende-se na prática, e nos livros, e nas conversas,
e com a experiência e a reflexão, sem dúvida - mas pode e deve aprender-se também
nos bancos da escola. Saiba ela, e queira.
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