Inicio a conversa que vamos ter sobre espaços/tempos de aprender e ensinar
trazendo duas imagens que me acompanham desde que fiz o meu curso normal, terminado
em 1961 (tem tempo, não é mesmo?): estão em um livro de Malba Tahan1, professor
de matemática imaginativo e criador de histórias que tanto fascinaram a minha
e tantas outras gerações.
As duas imagens* mostram duas "professoras" contando histórias. Na primeira,
de acordo com a legenda do livro: a velha tia Delminda, babá aposentada,
pessoa simples e iletrada, conta estórias do 'Arco da Velha' a um grupo de crianças
do morro. Nota-se que o 'auditório', mal colocado, nada tem de homogêneo: à
esquerda da narradora, vê-se uma jovem pré-adolescente e, ao lado desta, mais
a baixo, um menino ainda na fase mágica. A cena, bastante expressiva, foi colhida
junto à porta de sórdido barracão no centro de uma favela carioca (p.157).
Na segunda imagem, ainda segundo o livro: com o auxílio de estampas coloridas,
a professora Corina Maria Peixoto Ruiz, do Jardim de Infância do Instituto de
Educação do Rio de Janeiro, conta histórias em 'meiguice' a três pequeninos
do 1o período pré-primário. Um dos ouvintes está no colo da narradora e os outros
dois, sentados nas cadeirinhas, ouvem muito atentos os 'era uma vez...'. Observe-se
o interesse com que a menina (do laço branco) acompanha a narrativa (p. 145).
Em que pesem os comentários, bastante diferentes sobre as duas imagens que
usam palavras e idéias comuns à época (décadas de 50/60 do século XX), e sobre
os quais poderia fazer muitos comentário que deixo ao leitor/leitora, trago
as duas imagens para mostrar como se aprende em espaços/tempos diferentes e
com conteúdos diversos.
Contar/ouvir histórias faz parte de nossas vidas de ser humano, indivíduo e
cidadão. Era/é, assim, por via da comunicação oral, que homens e mulheres, de
todas as idades, desde a antigüidade mais remota contavam/contam feitos e passam,
de uma geração a outra, modos de fazer em sua cultura (como cozinhar, como educar
filhos, como fazer cestos, como bordar...). Nesses processos de contar/ouvir
passa muito mais, no entanto, pois eles se dão em espaços/tempos nos quais sentimentos
e conhecimentos de toda ordem estão presentes: valores, crenças, amor, medo,
como amar o outro como legítimo outro, como nos ensina Maturana, ou como alguém
estranho a quem devemos temer...
Esses modos de comunicar para aprender coisas e fatos essenciais à vida cotidiana,
como pode ser percebido nas imagens usadas, exigem proximidades de corpos e
posturas muito particulares dos envolvidos, nas quais, quando vemos uma cena
dessas, sabemos que ali se está 'ensinando/aprendendo' algo. Isto pode ser observado,
tanto nas duas fotografias acima como em outras duas, estas de uma jovem artista
brasileira - Noale Toja - que fotografou uma escola pública do estado do Rio
de Janeiro no final do ano de 1999. Era um momento em que provas eram feitas,
resultados publicados, decidindo vidas, e a possibilidade de não se verem, por
algum tempo, naquele espaço/tempo de contato diário, fazia com que alunos e
alunas retardassem sua saída da escola e tivessem muitas coisas para contar
e ouvir, em espaços não considerados como de aprender/ensinar na escola.
Pequenos segredos sobre um novo namorado ou consolo por uma eventual reprovação:
o que mobilizou as duas alunas que se sentaram em um banco, debaixo de uma escada
para conversarem? Que histórias acontecidas durante o ano, que comentários sobre
professores e colegas, que planos para as férias fizeram com esses alunos e
alunas se reunissem em círculo para conversar, enquanto esperam outros que terminam
uma prova? Jovens, alguns se divertem com a imagem que a artista faz deles,
enquanto outros deixam claro que a "intrusa" e seu aparelho, estão invadindo
um espaço/tempo sagrado dos alunos - o pátio da escola, quase chegando o momento
de saírem da escola no fim do ano.
Este movimento de reunir-se e, no encontro, contar/ouvir histórias está presente
fora da escola e dentro dela, no passar cotidiano da vida: no pátio, para os
alunos/alunas, e na sala de professores/professoras, na hora do cafezinho. Este
processo de comunicar - conhecimentos, valores, crenças, modos de fazer...-
ocupa uma parte importante de como aprendemos, entre tantas coisas, o 'ofício'
de ser professor/professora. Estes fatos exigem de nós pensar e trabalhar sobre
seus significados e importância, não é mesmo?
1 TAHAN, Malba. A arte de ler e contar histórias. Rio de Janeiro:
Conquista, 1964.
* Nota do Webmaster: Na versão on-line não estão disponíveis as imagens que acompanham a edição em papel deste jornal.
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