Só à Lupa se conseguiria relacionar este artigo com um outro, (en)Cantos
da Leitura, publicado no Observatório de Dezembro passado, neste
mesmo jornal.
Na altura, comentei alguns dados recolhidos junto das famílias dos alunos da
escola onde trabalho; hoje, trago-vos as ideias dos próprios alunos sobre o
mesmo tema: os livros e a leitura.
Em Outubro de 2001, elaborei um inquérito e apliquei-o a 192 crianças (entre
6 e 11 anos) da minha escola (para as que ainda não sabiam ler, as possíveis
respostas eram imagens; pintariam aquela que melhor correspondesse à sua opinião).
Os resultados revelam que todos os inquiridos gostam de ler (ler imagens, os
mais pequenos); 82% gostam muito. Lêem mais em casa que na escola. Ouvir ler
é também uma actividade muito apreciada: apenas 3% diz não gostar. Dos inquiridos,
85% tem alguém disponível que lhe ler: a mãe, em primeiro lugar (59 %), seguida
pelo pai (21 %); os avós e irmãos surgem como outros "contadores".
Das várias actividades que habitualmente são realizáveis na Biblioteca Escolar
durante o período de acesso livre (antes e depois das aulas e intervalo do almoço);
o objectivo era assinalar apenas uma, a que o aluno mais gosta de fazer. Indiscutivelmente,
mais de metade dos alunos prefere o contacto com os computadores: 49% especificamente
para jogar e 16% para navegar na Internet (quase incontornavelmente à procura
de jogos). Ler e escrever são as opções menos seleccionadas (5 e 3%, respectivamente).
De permeio, ficam o desenho, os jogos de mesa, o vídeo e a música.
Viver num mundo sem livros seria impossível para 74% das crianças, enquanto
10% os dispensaria sem problemas.
Destaco, agora, várias sugestões de incentivo à leitura feitas pelos alunos.
Ler muitas vezes (histórias de encantar, banda desenhada, adivinhas, desenhos
animados na TV, no computador) na escola ou em casa (com os pais e na cama).
Ouvir ler (pais e professores). Mostrar livros e textos bonitos às crianças.
Explicar que a ler se aprendem palavras novas e que "ler faz bem ao cérebro
e à alma". Fazer jogos de palavras, ilustrações, dramatizações e textos sobre
histórias. Ir à Biblioteca e levar os livros "de cá para lá". "Em vez de darem
só brinquedos aos meninos, darem 1 ou 2 brinquedos e 5 livros." Ajudar a mudar
as folhas do livro e, claro, aprender a ler e ajudar as crianças na leitura.
Há até um deles que convictamente afirma: "A uma criança que não goste de ler,
os pais devem obrigar a ler, pelo menos, meia hora por dia".
Por último, na folha do inquérito, os alunos poderiam desenhar o que quisessem
desde que relacionado com as actividades da Biblioteca. Os computadores, como
motivo único do desenho, apareceram em 47% dos inquéritos enquanto que os livros,
em 23% (apareceu ainda a variante computadores e livros com 5%).
Ensaiando conclusões...
As crianças conferem valor à leitura (tal como as famílias). Os livros são importantes
na sua vida. Ler parece ser um esforço que (ainda) não compensa. Para muitos
dos alunos, o significado de leitura está mais próximo da obrigação do que da
actividade lúdica e do enriquecimento pessoal.
Apesar da polivalência de materiais da Biblioteca onde trabalho (livros, computadores,
jogos, vídeos, desenhos, música...), os livros ainda lhe estão associados, mas
cada vez mais temo que esta imagem se vá desvanecendo dando lugar a uma Biblioteca
que não cumpre o seu sentido: espaço agitado, barulhento, multiactivado onde
no lugar da concentração há atordoamento e os livros são pura decoração.
António Gomes (1996) lembra-nos que "(...) um leitor forma-se desde o berço".
Assim, há que investir desde logo, se quisermos evitar a repetição dos (preocupantes)
resultados em leitura no estudo internacional sobre literacia (PISA - 2000)
onde os "que não atingiram sequer o primeiro nível de literacia, corresponde
a 10% dos alunos portugueses de 15 anos" (JL/Educação, 26/12/01, p.3).
Atempadamente, todos poderemos fazer leituras com os pequenos para que as suas
leituras não sejam pequenas! Digo eu... em pequenas leituras.
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