A crescente visibilidade social do campo da educação não-formal
(e, igualmente, do campo da educação informal) não é separável
das representações e dos discursos em torno da chamada crise da educação escolar.
Muito embora os discursos sobre a crise da educação escolar sejam tão antigos
como a própria Escola, os factores supostamente geradores da actual crise são
hoje mais amplos e heterogéneos.
Talvez mais do que em qualquer outra época, as referências à crise da educação
escolar no contexto actual remetem (implícita e explicitamente) para condicionantes
económicas, sociais e politico-ideológicas muito diversificadas e, consequentemente,
as explicações produzidas e divulgadas são hoje mais heterogéneas e contraditórias.
Na impossibilidade de aqui recensear, de forma mais cuidada e aprofundada, todas
as variáveis em jogo, gostaria de lembrar neste breve apontamento que a crise
da educação escolar não pode ser compreendida sem levar em consideração os seguintes
factos:
as condições actuais de expansão e internacionalização da economia capitalista
num contexto de hegemonia ideológica neoliberal;
a emergência do "capitalismo informacional", as mutações aceleradas nas formas
de organização do trabalho e a inevitabilidade (também, em grande medida, ideologicamente
construída) do desemprego estrutural, a afectar sobretudo as novas gerações;
a permeabilidade e vulnerabilidade da Escola às pressões sociais - pressões
que permitem que esta aceite, quase sempre passivamente, ser o "bode expiatório"
para as crises económicas cada vez mais frequentes;
os discursos vulgares que induzem os cidadãos a pensar que a falta de emprego
é devida à não qualificação dos indivíduos, sendo esta, por sua vez, acriticamente
atribuída à incapacidade estrutural da Escola para preparar os estudantes em
função das (supostas) necessidades da economia;
a perda de confiança no valor social dos diplomas, induzida pela distorções
nas relações entre a educação e o mercado de trabalho (veja-se, por exemplo,
o crescente desemprego dos licenciados; a proliferação de empregos precários
disputados por portadores de qualificações superiores às exigidas para o exercício
das funções que lhe são propostas; a existência de contextos de trabalho indutores
de "regressões culturais"...);
a centralidade dos meios de comunicação de massa que se constituem como fortes
agentes de socialização secundária, substituindo ou neutralizando a acção dos
agentes e contextos de socialização primária;
a constatação, sinalizada em trabalhos recentes, de que a Escola, já não sendo
capaz de cumprir cabalmente os mandatos que há muito lhe foram atribuídos,
continua (paradoxalmente) a ser pressionada para assumir novos mandatos,
à medida em que os problemas sociais aumentam, se diversificam e se complexificam;
a emergência de um sentimento anti-escola que se expressa, em alguns países,
pela existência de um movimento de defesa do ensino em contexto familiar (home
schooling), movimento este que é estimulado por discursos anti-estatistas
que reclamam do fracasso da escola pública e que são promovidos por uma mescla
de sectores religiosos fundamentalistas e segmentos neoliberais e neoconservadores
desejosos de restaurar valores sociais e educacionais tradicionais.
Estes e outros factos, reais ou ideologicamente construídos, que podem ser convocados
para explicar a actual crise da educação escolar são, como acima comecei por
referir, relativamente sincrónicos com a expansão e recente revalorização dos
campos da educação não-formal e informal. No entanto, é importante observar
que, apesar deste relativo sincronismo, a revalorização da educação não-formal
e informal só em parte pode ser atribuída à crise da Escola.
Na verdade, nem todos os indicadores da crescente (e aparentemente paradoxal)
pedagogização da vida social são imediatamente explicáveis pela crise
da Escola. Veja-se a este propósito a emergência dos novos lugares imateriais
e virtuais de educação não-formal e informal que configuram o ciberespaço,
ou os contextos, não menos fluidos e de fronteiras também instáveis, que começamos
a relacionar com a chamada sociedade cognitiva.
O que importa considerar por agora é que se é verdade que estes novos lugares
da educação (não-formal e informal) se originaram em fenómenos que pouco ou
nada têm a ver com a crise da Escola, também é verdade que eles poderão vir
a acentuar e aprofundar a crise dessa mesma Escola, sobretudo se forem ocupados
e controlados por interesses económicos dominantes a nível nacional e global.
Por estas e outras razões, há que reflectir mais aprofundadamente sobre os dilemas
e desafios futuros que derivam do facto de o campo da educação não-escolar
ser hoje disputado por muitos e diferentes interesses, e contraditórias
racionalidades políticas e pedagógicas.
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