Não podemos ignorar
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A Comissão de Peritos para o Acompanhamento de Execução do
Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, a que tive o gosto e honra de presidir,
apresentou recentemente o relatório resultante da imperatividade de apresentar
ao Conselho de Ministros relatórios anuais de execução das medidas que integram
o Plano.
Parece-me interessante realçar "à lupa" certos pontos do referido relatório:
- Muitos progressos se registaram, nomeadamente no âmbito legal, no
que se refere à abordagem deste autêntico flagelo social. O aumento do numero
de casas - abrigo para mulheres e crianças vitimas de violência foi considerável.
O esforço das polícias, nomeadamente através do Projecto INOVAR, é de assinalar.
- O papel do Estado é fundamental: nem a política de não ingerência
nos assuntos privados nem os valores e costumes tradicionais podem ser invocados
para impedir a luta contra a violência.
- A abordagem integral e integrada da questão da violência é fundamental.
Entende-se por abordagem integral a articulação da temática "condição feminina"
com as questões da violência, aprofundando duas componentes que parecem essenciais:
- a organização do Estado e das sociedades baseada na desigualdade entre
mulheres e homens
- a identidade de género.
Entende-se por abordagem integrada a articulação entre os modos de intervenção
dos mecanismos governamentais e não governamentais, estabelecendo fronteiras
e definindo espaços de modo a utilizar racionalmente os recursos humanos
e financeiros sempre escassos..
- A existência de serviços de informação diversificados de apoio às
mulheres vitimas de violência parece uma boa prática a incentivar. A existência
da Linha Verde de Apoio às Mulheres Vitimas de Violência 800 202 148 ( da
responsabilidade da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres
- CIDM e da APAV) e o site da CIDM ( www.cidm.pt) são disso exemplo.
- O papel das organizações não governamentais de apoio e protecção
às vítimas é fundamental
- A aplicação da medida legal de afastamento do ofensor deveria ser
mais largamente aplicada pelos tribunais.
- As acções de sensibilização e informação, visando a prevenção e
apoio, e tendo em conta diversos públicos - alvo ( incluindo agressores) deverão
prosseguir.
No que se refere ao futuro, julga-se de realçar as seguintes
recomendações:
- Um futuro Plano deveria englobar os vários tipos de violência (assédio,
prostituição e tráfico, pornografia, violência sexual e doméstica) sendo portanto
um plano de violência de género com sub planos independentes com relatórios
e monitoragem independentes e financiamentos próprios, a inserir ou não no
II Plano para a Igualdade de Oportunidades, em fase de finalização.
- É urgente a implementação de monitoragem e avaliação permanente do
Plano e necessidade de estudos mais aprofundados que permitam planos de acção
quantificados com definição de metas a atingir, por ministério, em articulação
com o Plano para a Igualdade de Oportunidades.
- A investigação sobre o tema deverá prosseguir, sugerindo-se que
o INE considere os dados oficiais da violência doméstica como indicador de
desenvolvimento social.
- Importa rever a legislação vigente, nomeadamente no que se refere
à situação das mulheres imigrantes vitimas de violência, à actuação das polícias
relativamente à entrada no domicilio sem mandato judicial em situações de
perigo actual/iminente, à legislação relativa ao uso e porte de arma, à rede
pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência e à Lei de Protecção
de Testemunhas em processo penal
Sem o empenhamento, patente nos Planos de Governo e nas Grandes
Opções de Política para 2002, a acção da CIDM (e aqui presto homenagem aos técnicos
e funcionários que no seu quotidiano apoiam e sofrem com as mulheres vitimas
de violência, dinamizam acções de formação e sensibilização e contribuem de
vários modos para que as nossas edições sejam uma realidade) não seria possível,
nem tão intensa, nesta área.
Colocam-se aqui os problemas de difusão referidos num Seminário sobre Democracia
Paritária do Conselho da Europa. É a questão de sacralizar os direitos, na expressão
do Prof. Boaventura Sousa Santos. É aqui se insere a noção de "alfabetização
jurídica" definida como processo para aquisição de consciência critica acerca
dos direitos e da lei, capacidade para reivindicar direitos e capacidade para
motivação para a mudança. É esta linha que deverá inspirar, julgo, a edição
de publicações relativas a violência na família e na rua, actualizadas a partir
de legislação que vai sendo produzida.
Haverá pois que, em termos de apoio, descodificar a linguagem. A alfabetização
jurídica possibilitará que as mulheres conheçam a lei e fiquem a perceber o
que é que a lei significa no contexto das suas vidas. As mulheres poderão assim
reflectir sobre as suas vidas, perceber as violações da lei que ocorreram nas
suas vidas, ligar essas violações a causas estruturais tais como classe, género
e perceber como essas estruturas se apoiam na lei. Disso surgirá uma maior consciência
critica acerca da posição subordinada das mulheres na sociedade e do papel que
a lei desempenha no reforço dessa subordinação e levará porventura ao desenvolvimento
de estratégias de mudança social.
A reflexão sobre a teoria da prova e a vitimologia à luz de uma perspectiva
feminista do Direito - ou, se quisermos, à luz da situação das mulheres na sociedade
- constitui um desafio para as/os juristas.
Vem-se produzindo a nível internacional vasta reflexão, relativamente à chamada
Justiça restaurativa, entendo-se por tal um processo em que todas as partes
relacionadas com um crime determinado se encontram para resolver colectivamente
como lidar com as consequências do crime e as suas implicações futuras(1).
As mulheres continuam, aqui ao lado, a ser vitimas de várias violências. Os
direitos humanos (das mulheres) continuam a ser violados em Portugal. Como diz
Sofia de Mello Breyner: " Não podemos ignorar".
1 Relatório do 9º Colóquio organizado pela Fundação Courmayeur
Mont Blanc sob os auspícios das Nações Unidas
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 11, Março 2002
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Autoria:
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher - CIDM
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher - CIDM
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