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Miguel de Unamuno |
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NÉVOA
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Tradução de Serafim Ferreira |
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Ed. DIFEL/Lisboa, 2001 |
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Miguel de Unamuno é, como se sabe, um dos maiores expoentes
literários da Espanha e da Europa do século XX, que pelos caminhos da prosa
de ficção ou do ensaísmo filosófico criou uma obra que o tornou uma personalidade
de grande prestígio cultural nos países de língua espanhola e na Europa. Mas
foi com este livro (escrito em 1907 e cuja 1ª. edição foi publicada em
1914) que alcançou grande notoriedade, porque o romance Névoa (que designara
por nivola com alguma originalidade) conheceu um grande sucesso através
das muitas traduções europeias (e não só) no espaço de vinte anos, e disso Unamuno
fala em pormenor no prólogo que acompanha esta edição e onde se faz a história
da novela que só agora chega aos leitores portugueses.
Névoa é sobretudo a história de um amor trágico (entre
Augusto Pérez que viveu até muito tarde com a sua Mãe, e Eugénia, uma pianista
bastante interesseira, mulher de outros amores, mas de olhos postos na fortuna
de Augusto, que nela descobre o seu primeiro amor, o amor de todos os amores)
e dizem os críticos que este romance assinalou um ponto de viragem na ficção
unamuniana, por ser na época uma obra inovadora em que se jogam vários elementos
estruturais e psicológicos ou artifícios literários, a começar pelo prólogo
assinado por Víctor Goti, que também entra na novela, escrito a pedido do próprio
Unamuno para desvendar ao leitor algumas das "pistas" narrativas da sua história.
Mas o aspecto mais interessante deste Névoa reside no longo diálogo entre
Augusto Pérez, a personagem central, e Miguel de Unamuno acerca do desfecho
que este deseja dar ao livro, mas que não tem a concordância de Augusto, porque
aí sempre se coloca em dúvida a existência real do autor ou a sua visão pessimista
do sentimento trágico da vida, ou ainda a velha questão do criador e da sua
própria criatura.
História bem urdida nos interesses imediatos da vida (a sorte
e o acaso, o amor e o desinteresse, ou os renovados propósitos dos tios
de Eugénia levarem por diante a paixão de Augusto para assim resolver uma difícil
situação pessoal), tudo isso perpassa neste admirável romance de Unamuno para
enaltecer os valores do bem e do mal, do amor e do ódio, do sonho e da esperança.
E tudo é caldeado num ritmo narrativo cheio de irónicas observações ou através
de situações bem descritas ou ainda pelos bem interessantes e curiosos solilóquios
de Augusto com Orfeu, o seu cão, no intuito de não perder de vista uma
história que é verdadeiramente amorosa e levada às últimas consequências: o
desencanto, a desilusão e o suicídio de Augusto Pérez.
Como uma síntese dos diferentes géneros literários utilizados
por Miguel de Unamuno (1864-1936), Névoa mereceu desde o aparecimento
uma larga popularidade. Interrogando-se acerca desta predilecção da maioria
dos leitores, o autor de O Sentimento Trágico da Vida chegou assim à
conclusão de que a fantasia e a tragicomédia desta história será o que "mais
fala e diz ao homem individual que é o universal, o homem que se coloca ao mesmo
tempo acima e abaixo das classes, castas, posições sociais, seja ele pobre ou
rico, plebeu ou nobre, proletário ou burguês".
Romance de costumes ou a história de um amor incompreendido,
Névoa revela ainda a originalidade de o próprio Autor comparecer no meio
da história, não para corrigir o seu próprio desfecho, mas antes para dialogar
com a personagem que cria ou reinventa: por isso, os diálogos entre Unamuno
e Augusto Pérez, a par da descrição do seu gabinete de trabalho em Salamanca,
onde viveu e morreu, afirmam-se como o ponto alto e mais original de um romance
que quase cem anos depois se lê com o prazer de uma descoberta ou a confirmação
do génio literário de Miguel de Unamuno.
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