- Poderias dizer-me, por favor, que caminho hei-de tomar para sair daqui?
- Isso depende do sítio onde queres chegar! - Disse o Gato.
- Não interessa muito para onde vou... - retorquiu Alice.
- Nesse caso, pouco importa o caminho que tomes - interpôs o Gato.
- Desde que chegue a algum lado! - Acrescentou Alice à laia de explicação.
Alice no País das Maravilhas, 58
Se por acção política se entender a esfera de actividade pela
qual as pessoas, individual e colectivamente, procuram moldar as condições dentro
das quais vivem no sentido de aí poder viver melhor, então as actuais transformações
das estruturas, das identidades, das instituições e dos estilos de vida remetem-nos
para a posição de colocar perguntas algo semelhantes às que Alice coloca ao
Gato de Cheshire.
Os caminhos que se têm oferecido enquanto possibilidade
política foram amplamente moldados pela acção do estado e do mercado. Os projectos
políticos que assumiam poder conduzir as nossas sociedades e as nossas vidas
a algum lugar organizaram-se ora em torno da acção organizativa do estado, ora
da regulação pelo mercado, com doseamentos muito diferenciados sobretudo a partir
do século XIX e do decorrer do século XX. O que nos coloca perante o Gato de
Cheshire é que estes caminhos, ao desenvolverem-se historicamente, criaram,
sob muitos aspectos, o seu próprio esgotamento enquanto instrumentos políticos.
É que nem a comunidade, não obstante o facto de ter sido a menos realizada das
possibilidades políticas ao dispor das sociedades ocidentais, surge como o "caminho"
mais consensual (aliás, Alain Touraine coloca o comunitarismo ao lado do estatismo
enquanto potenciadores de opressão). Tudo se parece passar, efectivamente, como
se os "caminhos" e o "lugar" onde se quer chegar estivessem incontornavelmente
ligados.
Neste sentido, pode dizer-se que a imaginação sociológica
se encontra numa situação em que quase tudo pode ser reinventado, inclusive
a própria imaginação sociológica. Isto, não obstante o facto de estarmos conscientes
de que presentemente os constrangimentos sociais e económicos se concentram
no lugar a que chamamos "nosso".
Nesta rúbrica, procuraremos questionar quer o lugar a partir
do qual - à semelhança de Alice - as perguntas sobre o "caminho a tomar" são
feitas , quer o ramo da árvore a partir de onde o Gato de Cheshire responde.
Procuraremos, neste espaço, por detrás do seu sorriso aparentemente irónico,
perscrutar como é que o estado, o mercado, a comunidade, os estilos de vida,
a cidadania e a própria intimidade se estão a reconfigurar e como é que, nesse
processo, nos é dado construir, reconstruir ou reinventar caminhos.
Pensamos que estes caminhos devem ser desenhados em função
do lugar onde queremos chegar, como diz o Gato no texto em epígrafe. Alice,
determinada a chegar a algum lugar, seja ele qual for, parece ser menos exigente,
como se todos os caminhos se equivalessem. Das reconfigurações a que aludimos
surgem lugares e caminhos que correm o risco de soçobrar no abismo do "anything
goes", na indiferença da assunção do princípio de que tudo se equivale. Não
é essa indiferença que nos serve nem de ponto de partida, nem de ponto de chegada
no projecto que ora iniciamos.
"Reconfigurações" é uma palavra que não é possível encontrar
no dicionário. Contudo, o prefixo "re" induz no sentido de que a configuração
pode ser pensada de uma forma nova, permitindo assim uma nova disposição, uma
nova forma. É neste sentido que pretendemos definir o âmbito desta rúbrica,
isto é, assumi-lo como um espaço de reflexão sobre a mudança social e sobre
como o próprio conceito de mudança está a transformar-se numa época cada vez
mais identificada com o termo globalização. A equipa* que reunimos para levar
a cabo esta tarefa é constituída por sociólogos provenientes de três países
da União Europeia (Portugal, Reino Unido e Espanha) e que têm escrito sobre
a globalização sobretudo no que diz respeito a políticas sociais e educativas.
Assim, o foco desta rúbrica será a elaboração e a implementação de políticas
e a forma como essas políticas reflectem uma nova forma de conceber e de operacionalizar
a mudança social. Desta forma, procuraremos questionar se a concepção de mudança
social como forma de domínio sobre a natureza permanece ou se está a dar lugar
a formas mais diversificadas de relação quer com o mundo natural, quer com o
mundo social. Também pretendemos questionar os modelos "revolução"(i.e. mudança
profunda, no sentido em que é estrutural) e "reforma" (i.e. superficial, no
sentido em que é sistémica). Será que a noção de reconfiguração remete para
a aceitação sobretudo da segunda? Ou remete, antes, para novas disposições que
tornam aquela oposição obsoleta?
*
Coordenadores: António M. Magalhães e Stephen R. Stoer (CIIE da
FPCE/UP).
Colaboradores: Roger Dale e Susan Robertson (Universidade de Bristol,
Inglaterra); Xavier Bonal (Universidade Autónoma de Barcelona); Fernanda Rodrigues
(Centro Regional de Segurança Social do Porto e CIIE da FPCE/UP); e Fátima Antunes
(Centro de Estudos em Educação e Psicologia do Instituto de Educação e Psicologia
da Universidade do Minho).
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