O cenário é uma sala ou um auditório de um estabelecimento
educativo onde um grande número de professores oriundos de escolas da rede de
ensino público e representantes do órgão central estão reunidos para o que se
costuma chamar de "formação continuada ou capacitação em serviço". A distribuição
espacial obedece a uma linha divisória invisível onde de um lado, se acha a
"plateia" constituída por professores geralmente sentados em cadeiras enfileiradas
ou organizados por grupos em volta de mesas espalhadas pelo ambiente. No outro
lado, está o "palco" onde se encontram os representantes do órgão central, em
pé, ou geralmente sentados atrás de uma mesa, rodeados de materiais, apostilas,
cartazes, recursos audiovisuais etc. Se observarmos esta cena a partir do palco,
o que se vê é uma certa composição de corpos e fisionomias com expressões que
podem apresentar várias nuances que vão do mais absoluto tédio à mais absoluta
irritação, podendo passar por alguma dose de alheamento.
Porém, se mudarmos nosso campo de observação e passarmos para
a plateia, o que se apresenta é uma cena algo patética, onde corpos se agitam
com expressões que denotam um misto de preocupação, perplexidade e censura,
diante da pouca participação e receptividade da plateia. O que tal cena nos
revela? A plateia de professores, provavelmente se pudesse a cada encontro desses,
pediria "seu dinheiro de volta", dado o repetitivo que têm se tornado para ela
esse espectáculo. Por outro lado, os promotores do mesmo, possivelmente sentem
seus esforços frustrados, ou então justificam a sensação de tempo perdido se
indignando com a falta de empenho e colaboração da plateia, que parece incapaz
de compreender o grande esforço despendido para que o espectáculo fosse colocado
em cena.
Se permanecermos nestas duas perspectivas, pode parecer que
estamos diante de um aparente impasse. Porém, se acrescentarmos algumas outras
questões a esse já velho e conhecido "script", talvez possamos realizar
uma outra leitura do mesmo, e quem sabe, vislumbrar uma outra trama.
Para isso, pode ser interessante a entrada em cena de uma
importante contribuição da Análise Institucional que, ao mostrar a fundamenta.
diferença entre estabelecimento e instituição, nos permite pensá-la não mais
com o algo estático que se liga à ideia de prédios e edifícios, mas de acordo
com Lapassade (1), com formas gerais das relações sociais que têm origem em
uma sociedade instituinte, em determinado momento de sua história. Em tal concepção,
está implícita a ideia de que a instituição não é uma natureza, mas se refere
a práticas que podem potencializá-la ou desestabilizá-la nos mais variados estabelecimentos.
Dessa forma, os estabelecimentos educativos são atravessados por vários tipos
de instituição que se pronunciam valorativamente e regulam a actividade humana
e, nas quais, se desenvolve um permanente embate entre ideias, valores e significações
instituídas e instituintes.
Nesta perspectiva, a formação de professores pode ser pensado
como uma instituição que é produzida e mantida por práticas existentes nos estabelecimentos
educativos. Pode ainda suscitar algumas interrogações como: Através de que práticas
vêm se instituindo a formação de professores? Que ideias, valores e significações
vêm produzindo? Como se relacionam (ou não) com os conteúdos das propostas pedagógicas?
A reflexão sobre estas questões pode levar à inquietante observação
de que as práticas que vêm instituindo a formação de professores não têm ido
exactamente na direcção de ideias, valores e significações tão enfaticamente
defendidos nos conteúdos das propostas "inovadoras".
Assim, o anonimato e a homogeneização dos professores nas
reuniões de capacitação parece contrastar tão fortemente com a urgência e a
importância em incluir o contexto social e cultural do aluno na prática pedagógica.
O pouco espaço nessas reuniões para a colocação de insatisfações e reivindicações
parece acentuar uma assimetria entre professores e o órgão central, que é tão
desaconselhada na relação professor-aluno.
Esses e outros paradoxos vão deflagrar tramas e dramas, formas
de relação e vínculos que terão uma função educativa e constitutiva em si mesmos.
Constitutivas, por exemplo, de formas de relação com o conhecimento, com a autoridade
e o poder. Produzirão um outro "script", inusitado, não esperado, que
pode mesmo levar a caminhos opostos aos tão cuidadosamente planejados, que ao
se dramatizarem nos sujeitos podem ser fonte de tensão, mal-estar ou também
de criação, mas que apontam sobretudo na direcção de que o espectáculo sempre
pode e deve ser outro.
Nota: (1) LAPASSADE, Georges. El Encuentro Institucional:
IN: LOURAU, René e otros. Análisis Institucional y Socioanálisis. 2ª
edição. México: Editorial Nueva Imagem, 1979: p. 197-241.
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