Silka é o nome do texto que subscrevemos este mês. É o título
de um livro da autoria de Ilse Losa com ilustrações de Manuela Bacelar. É, igualmente,
um pretexto para que se possa discutir o estatuto da leitura nas escolas portuguesas,
sem confinar esta reflexão aos parâmetros e aos resultados que o "Programme
for International Student Assessment" (o PISA) utilizou para evidenciar os níveis
de literacia dos alunos portugueses com 15 anos de idade. Sem se pretender desvalorizar
ou subestimar tais resultados, interessa discutir a questão da leitura a partir,
também, de outros pressupostos que não a reduzam, apenas, ao exercício de um
conjunto de competências. Silka é o nosso contributo para um tal debate. Um
debate no âmbito do qual se valoriza a leitura na Escola como uma ampla oportunidade
de comunicação dos indivíduos com os outros, consigo mesmo e com a cultura de
um tempo, permitindo-lhe alargar o campo dos recursos que dispõem para compreender
e interferir no mundo. Um debate que sugere o desenvolvimento de outras práticas
de leitura nas escolas, o que implica, por sua vez, a possibilidade destas se
afirmarem como espaços educativos.
Nisto os meus olhos caíram sobre um grupo de quatro árvores
que naquele lugar ermo, sem mais nenhuma vegetação, faziam o efeito de terem
sido expulsas para o deserto. Eram Silka e os filhos, soubemo-lo no fim
da história. Um cipreste, um choupo e um pinheiro, protegidos por uma faia de
folhas vermelhas.
O professor olhou para o grupo. Reconheceu as lágrimas lentas
no rosto da Joana e fechou o livro. E agora ? Talvez esperassem que ele lhes
propusesse um trabalho. Não o fez, não lhe apeteceu, nem achou conveniente fazê-lo.
Aquele silêncio falava por si. Sabia que havia gente que, nos próximos dias,
não o largaria por causa da história. Sabia que outros se limitaram, apenas,
a gozar o momento. A Rita lembrar-se-ia, certamente, da necessidade de convidar
Ilse Losa a ir à escola. Como se iriam esquecer da Manuela Bacelar, ele teria
que lhes lembrar que estavam a ser injustos para a ilustradora. Como sempre,
discutiriam isso e muito mais.
Foram quase duas semanas a ler-lhes a Silka. Um capítulo por
dia, nos quinze minutos a seguir à vinda do recreio. Há muito que deixara de
ouvir os mas que seca professor. Sabia, no entanto, que o estranho bicho,
meio cobra, meio peixe, dum azul transparente como o das pedras-marinhas
não tinha despertado o mesmo entusiasmo em todos eles. O capítulo sobre os casamenteiros
não fora nada de especial. O seguinte ia pelo mesmo caminho. Salvara-o, no fim,
a determinação de Silka, afirmando que ia cumprir a promessa que fizera à criatura.
Mas ela vai casar com o bicho? Teve que impôr ordem na sala. Na segunda-feira
alguém propôs que se começasse o dia com a leitura da história. Acedeu, deixando-os
descobrir "Os Magníficos", essa gente que o mar acolhera para os abrigar da
intolerância e da inveja dos outros homens. Quando, por fim, leu a última fala
de Silka, sabia que não era só a personagem do livro que estava feliz. O próximo
capítulo deixara-os apreensivos e no sexto capítulo, estranhamente, só se referiram
à belíssima ilustração da página 33. A confusão reinou ao longo da sessão em
que o nome de Reinaldo, aquele que não podia ser revelado, afinal - e como se
temia - o foi. Houve mesmo quem não aguentasse a ansiedade e, por isso, exigisse
a leitura imediata do capítulo seguinte, o último. Aquele em que se soube do
grito de Silka, um grito tão agudo e de tanta mágoa que foi ouvido nas aldeias
mais distantes.
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