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Cinema Inglês: O fim do renascimento

Em 1997, falava-se de um "renascimento" do cinema inglês sustentado pela chegada do partido trabalhista ao poder. Um fundo de 90 milhões de libras esterlinas foi posto à disposição dos cineastas graças à Lotaria Nacional, e das reduções de taxas criadoras para ajudar a produção. "Quatro casamentos e um funeral" (1994), "Trainspotting" (1996) e "Full Monty" (1997), todos enormes sucessos, contribuíram para a euforia. Quatro anos passados e o segundo mandato dos trabalhistas dissiparam este optimismo. A confirmação do declínio apareceu na selecção do último Festival de Cannes, onde não figurava nenhum filme inglês. Enquanto a produção aumentava nos últimos cinco anos (1996, pela primeira desde 1972, cem filmes é a média anual), as tentativas oportunistas para se chegar ao sucesso multiplicaram-se. Muitos produtores trabalham como independentes com um tempo restrito para desenvolver os seus projectos, a tendência para copiar as fórmulas de sucesso nada tem de surpreendente. Consequência: dos 100 filmes produzidos em 1999, apenas 61 foram distribuídos.
Durante o primeiro mandato de Blair, o país foi rebaptizado de England Cool. As exportações culturais, como a música pop (Oasis, Spice Girls), os jovens artistas (Damien Hirst, Tracy Emin),e os filmes de sucesso internacional, relançaram a imagem perdida desde os anos sessenta de uma swinging England. Mas a fórmula dissimula mal um "spot" cínico de publicidade, de patriotismo "little England" e de pura nostalgia cultural. Durante este tempo, a economia industrial noutros tempos dominante debilitou-se. Os dois grandes sucessos dos anos anteriores "Fully Monty" e "Billy Eliott" (1999) aproveitaram esta transição e dos seus efeitos nas comunidades operárias. O "realismo social" de Ken Loach e Mike Leigh caiu em desgraça, substituído notoriamente por estes dois exercícios de realismo social positivistas.
Em Abril de 2000, o Film Council (o equivalente ao IPACA) foi criado para centralizar os fundos públicos reservados ao cinema, tomando o lugar do Departamento do Filme de Arte Council - ligado ao Ministério da Cultura - que, entre 1996 e 2000, por intermédio da Lotaria Nacional, subsidiava a produção cinematográfia. A imprensa inquietava-se pelo facto de apenas 8,7 milhões de libras terem sido reembolsadas dos 63 milhões investidos pela Lotaria Nacional. Com um orçamento de 150 milhões de libras para 3 anos, o Film Council nascia num clima de cepticismo para com o financiamento público do cinema.
O plano de acção do Film Council assegura que uma "distribuição eficaz conseguir-se-á em grande parte graças ao desenvolvimento de argumentos substancialmente melhores". Isso não muda as razões da má distribuição dos filmes britânicos no seu país. Em 1999, os distribuidores americanos ocupavam 85% do mercado enquanto os filmes locais chegavam a uma média de 15% em cinco anos. O Film Council quer o desenvolvimento do sector especializado de maneira que "o cinema inglês, europeu e mundial tenham acesso aos écrans do Reino Unido". Um objectivo difícil pois o público de filmes não anglófonos é inferir a 5%. Que o Film Council tenha vontade de atacar os grandes estúdios é importante, mesmo que politicamente delicado. Mas algo terá que se fazer se ele quiser que seja levado a sério a sua vontade "de encorajar verdadeiras mudanças estruturais ".
Neste momento várias vozes se levantam para pedir a regulação do sistema de distribuição e exploração, que deixa sair do país mil milhões de libras por ano para os bolsos das multinacionais do sector.
Não é cínico pensar que hoje o governo ajuda a indústria do cinema porque esta traz aos cofres do país investimentos em dólares. Os investimentos de Hollywood nos filmes ligados à Grã-Bretanha aproximaram-se 500 milhões de libras no ano passado, enquanto os 78,7 milhões consagrados aos filmes de produção exclusivamente local no mesmo período estavam longe dos 162,5 milhões do ano anterior.
O Film Council absorveu e substituiu de facto um certo número de organismos, como o departamento de produção do British Film Institute (BFI). A supressão deste último foi descrita pelo seu anterior director, Colin MacCabe, como mais "uma etapa num dos actos mais chocantes de vandalismo cultural na história de Inglaterra do pós-guerra". A sua diatribe coincidiu com a ausência de filmes britânicos em Cannes. Para ele, o Film Council representa uma elite New Labour que "abandonou toda a preocupação do valor e da qualidade em proveito do mercado". Consequência: os realizadores anteriormente subsidiados pelo departamento de produção do BFI - Bill Douglas, Peter Greenaway, Terence Davies, Chris Petit, Derek Jarman - terão grandes dificuldades em trabalhar sob o regime actual. Os cineastas "alternativos" são marginalizados. "Ratcatcher" (1999), um primeiro filme, ao que parece espantoso, de uma jovem realizadora escocesa, Lynne Ramsay, que recebeu um acolhimento favorável unânime por parte da crítica, esteve visível apenas três semanas em quinze salas.
"A moda actual consiste em não falar de "cinema de arte", ou "experimental", mas de "cinema cultural". Ninguém parecer preocupar-se como pode existir um "filme cultural num país onde não existe uma "cultura de filme"". Chris Drake, Cahiers du Cinéma, Novembro 2001.

Paulo Teixeira de Sousa Escola Secundária Artística de Soares dos Reis

  
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Edição:

N.º 108
Ano 10, Dezembro 2001

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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