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Primeiros ciclos - Disparidade

A Educação Pré- Escolar em Portugal tem sido vítima ao longo dos anos de múltiplas políticas e variados programas de governo, sem uma consistência e empenhamento efectivo que é fundamental para garantir a qualidade que seria necessária.
A Lei 5/97, intitulada Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, pretendeu dar algum sentido e coerência jurídica a este sector, reconhecendo-o como a primeira etapa da Educação Básica e complementar da educação da família, mas passados quatro anos sobre a sua publicação, a realidade do que temos não corresponde ao que seria desejável. Ainda hoje este grau de ensino encontra-se disperso entre o Ensino Público, as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) e o Ensino Particular e Cooperativo, numa diversidade de situações e de problemas que se têm arrastado ao longo dos anos, e que a referida lei não conseguiu resolver.
Um desses problemas prende-se com os diferentes estatutos remuneratórios e as condições de trabalho que se tornam escandalosas e impensáveis num Estado de Direito.
Se o estatuto remuneratório dos educadores de infância do ensino público, pode considerar-se aceitável, estes profissionais debatem-se com uma situação de isolamento profissional já que os Jardins de Infância da rede estatal encontram-se predominantemente dispersos pelo meio rural, sendo estabelecimentos de lugar único, ou seja, estabelecimentos com apenas um educador, que assim se vê impossibilitado de partilhar e confrontar experiências, projectos e dificuldades com outros colegas do mesmo grau de ensino. Se aliarmos ao isolamento a instabilidade profissional e a falta de infra-estruturas adequadas ao trabalho com crianças desta faixa etária, constatamos quanto é difícil o quotidiano destes educadores.
Sobre este assunto convém salientar que a construção e manutenção destes estabelecimentos é da responsabilidade das autarquias, que, de um modo geral, adoptam um modelo comum para todo o concelho, genericamente limitado a uma sala de actividades com quartos de banho, num quadro semelhante às escolas do 1º ciclo. Na realidade, as crianças desta faixa etária têm necessidades específicas, e a inexistência, na grande maioria dos casos, de uma cozinha, um salão para actividades de expressão motora ,um gabinete e outras, tornam a vivência do dia-a-dia de uma limitação confrangedora que os educadores apenas conseguem superar apelando à imaginação e ao seu sentido profissional na tentativa de transformar o limitado espaço de que dispõem em espaços minimamente acolhedores.
Se estes educadores enfrentam problemas de isolamento e de falta de condições fÌsicas, os educadores que se encontram a trabalhar em IPSS's defrontam-se com problemas gravíssimos ao nível do seu estatuto remuneratório. Apesar dos subsídios atribuídos a estas instituições e das sucessivas orientações do Ministério da Educação no sentido da actualização e dignificação das carreiras dos docentes de educação pré-escolar, o resultado é quase nulo. As direcções destes estabelecimentos, de um modo geral, têm persistido numa atitude de total irresponsabilidade, não demonstrando qualquer preocupação na valorização da carreira destes profissionais.
A esta situação escandalosa têm respondido a maior parte destas instituições (com honrosas excepções) com a mais absoluta indiferença e desprezo face a uma situação que afecta gravemente a dignidade da profissão e dos próprios educadores, cujo desejo é passarem o mais rapidamente possível para o ensino público, que embora não isento de problemas, lhes garante o reconhecimento dum estatuto profissional com alguma dignidade.
Sobre o Ensino Particular e Cooperativo, importa referir que os educadores se encontram numa carreira que acompanha de muito perto a carreira do ensino público lamentando-se, contudo, a perda de poder de compra que estes profissionais têm vindo a sentir nos últimos anos. Como é sabido os aumentos acordados, têm sido, sistematicamente abaixo da inflação, e esta carreira que inicialmente se encontrava num patamar semelhante à do ensino público, tem vindo anualmente a degradar-se, nomeadamente nos vencimentos de reforma.
Com a publicação e implementação da Lei-Quadro, que reconhecia ao M.E. a tutela pedagógica de todos os educadores, foram criadas expectativas de uma equiparação nos vencimentos e carreira para todos os educadores, que infelizmente se revelou totalmente infundada. A uma maior exigência em termos pedagógicos não correspondeu o mesmo reconhecimento e dignificação dos docentes da educação pré-escolar. Resta-nos esperar que também esta lei, como muitas outras no nosso país, não fique reduzida a um "amontoado de boas intenções" e que haja vontade política para a sua concretização.

Manuela Carrito / FNE

  
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Edição:

N.º 108
Ano 10, Dezembro 2001

Autoria:

Manuela Carrito
Federação Nacional de Educação - FNE
Manuela Carrito
Federação Nacional de Educação - FNE

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