Conhecem a fábula dos porcos assados. Lembro apenas alguns passos para não
lhe perdermos a memória.
Aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados
pelo fogo. As pessoas acostumadas a comer carne crua experimentaram e gostaram
da carne assada. A partir daí, sempre que lhes apetecia porco assado deitavam
fogo à floresta.
Foram surgindo problemas que desencadearam sucessivos aperfeiçoamentos. Este
sistemático desenvolvimento deu origem ao Sistema de Assadura de Porcos (SAPO).
Apesar da boa vontade dos elementos que faziam parte do SISTEMA, surgiam problemas:
porcos demasiado queimados, outros parcialmente crus e até um ou outro que se
escapava às redes do SISTEMA.
O governo discutia, prometia e tomava decisões. Mas o SISTEMA falhava. Foi preciso
aprimorar, desenvolver, reforçar e até reformar. Criaram-se novos órgãos, assessorias,
grupos de trabalho, equipas especializadas, grupos de formação, novas directorias.
Descentralizaram-se poderes e competências. O sistema parecia ter melhorado.
Como alguns apreciadores do porco assado continuavam a reclamar e a gritar contra
as insuficiências e mesmo sinais de subdesenvolvimento do SISTEMA, foi necessário
dar-lhe um novo impulso. Criaram-se comissões de avaliação, pediram-se avaliações
internas e externas, alargaram-se quadros, adquiriu-se equipamento moderno,
rejuvenesceu-se a força de trabalho, informatizaram-se serviços e apostou-se
claramente na formação e na requalificação do pessoal maior e menor.
Mas, quanto mais se investia no SISTEMA, mais eram as reclamações e manifestações
de desagrado. A comunicação social dava voz a este descontentamento. Definitivamente
estava-se longe de garantir a qualidade necessária a um SISTEMA do primeiro
mundo.
Sendo clara a necessidade de voltar a reformar o SISTEMA, apostou-se num largo
debate nacional. Não faltaram apelos à participação da sociedade civil, conferências,
colóquios, seminários, debates, workshops, congressos, fóruns, painéis, video-conferências,
debates parlamentares, parcerias com centros de investigação, debates televisivos,
editoriais do José Manuel Fernandes, enfim, um larguíssimo debate nacional sobre
a temática dos porcos assados.
Do debate surgiram alguns consensos: má formação e qualificação dos trabalhadores;
rigidez dos quadros do pessoal; indisciplina dos porcos e porcas; inconstância
na intensidade do fogo; má qualidade dos arbustos; árvores de maturidade duvidosa;
demasiada humidade nuns sítios e pouca noutros; má informação meteorológica;
inconstância das chuvas foram consensos quanto às causas.
Mas foi evidente o desacordo quanto às soluções a aplicar, em particular em
quatro áreas fundamentais: 1.- enquadramento e intensidade do fogo; 2.- tempo
ideal para prender e soltar os porcos; 3.- colocação dos ventiladores direccionais
do vento; 4.- enquadramento da formação do pessoal maior e menor. Ficou clara
a necessidade de novos estudos técnico-científicos que sustentassem a reforma
da reforma.
Reconhecida a necessidade de uma base científica e técnica para o desenvolvimento
do SISTEMA, criaram-se organizações várias das quais se salientaram: Comissão
dos Bosques da Região Atlântica (COBRA); Comissão Coordenadora e Reguladora
de Porcos Nativos (CCRPN); Escola Superior das Culturas e Técnicas Alimentares
(ESCUTA); Bureau Orientador da Reforma da Labareda Activa (BORLA); Fundação
para a Observação do Carvão Opaco (FOCO); Instituto da Empregabilidade e Fomento
da Porcologia (IEFP); Direcção Reguladora de Experimentação das Normas (DREN).
Como estas instituições criaram assessorias, grupos de missão e de trabalho,
departamentos de formação, laboratórios e observatórios e as demais estruturas
afins; criou-se uma enorme massa crítica sobre a teoria e a prática dos porcos
assados, o que não evitou, nem a ira das oposições, nem as manifestações de
protesto dos activistas do prazer de saborear a carne de porco assada.
Andava-se nisto, quando alguém soprou ao ouvido de Sua Excelência o Presidente
Director Geral do Assamento Porcino e da Alimentação Assada das Famílias, que
um trabalhador desqualificado andava a semear o boato de possuir um método simples
de assar porcos e porcas. Engavetado o boateiro foi levado à presença de Sua
Excelência que se dignou ouvir, salvo seja, a proposta.
A coisa é simples, disse o trabalhador desqualificado: escolhem-se os porcos,
abatem-se, limpam-se, cortam-se em pedaços, colocam-se sobre as brasas, bota-se-lhe
o sal e espera-se que o calor asse a carne a nosso gosto.
Sua Excelência teve uma ameaça de falência cardíaca. Tanta ignorância! Tanto
desconhecimento! Tanto primitivismo! Antes de cair de cansaço ainda teve ânimo
para lançar algumas perguntas ao demente: que faríamos às anemo-técnicas? Que
fazer ao elevado conhecimento dos acendedores, dos especialistas em sementes,
dos técnicos das árvores importadas, dos arquitectos em instalações porcinas,
dos especialistas em filtros automáticos de purificação do ar? Mando-os a todos
limpar porquinhos? Não entende um nadinha da complexidade do SISTEMA? Como se
atreve a desconsiderar os nossos engenheiros, mestrados e doutorados em Tecnologia-Suino-Piro-Técnica?
Mas sobretudo grande anémona que rumo dar a tantos investigadores, técnicos
e formadores das mais excelentes tecnologias e sabedorias que têm vindo a ser
aplicadas na procura da assadura de excelência? Que fazer aos consultores e
formadores... e caiu exausto.
Quanto aos bosques continuam a arder. Sobre as porcas e os porcos, de vez enquando,
um ou outro, escapa às malhas do SISTEMA.
José Paulo Serralheiro
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