A política deve ter um conteúdo informativo e cívico. Anuncia
mítos, aponta modelos, indica objectivos, apresenta percursos. A mensagem política
e o debate que deve promover é indispensável ao nosso trabalho. Mas os políticos
teimam em substituir a política pela publicidade. O espaço da política não pode
ser o do mercado. Nem o político um mero produto promocional.
"Eu fico". Disse ele neste fim de Agosto. Ninguém o impeça
de ficar. Não diz como fica, mas fica. Fica de mãos a abanar. Fica na mesma.
Fica na dele. Fica na expectativa de ver o que acontece. Fica a olhar para as
nuvens. Fica com uma pontinha de inveja. Fica na esperança de ser grande. Fica
à tua espera. Fica desesperado. Fica invejoso. Fica magro. Fica gordo. Fico
parvo. Fica espertalhão. Fica, pronto. Não se sabe até quando fica. Ficará até
Setembro, meados de Outubro, até Dezembro? Fica enquanto lhe apetecer, pronto.
Fica à espera de não ser o último classificado. Fica com esperança de ser ao
menos vereador. Fica nem que seja para presidente da junta, ou vogal ou tesoureiro
ou suplente. Em qualquer caso aqui fica o meu programa político: "Eu Fico".
É isto que eu quero, é este o meu programa. Alô esquerdinhas! Alô centristas
vacilantes! Alô independentes! Alô desalinhados! Alô anarquistas! Alô comunistas!
Alô socialistas! Alô povinho em geral, cuidem-se: "Eu fico".
A política pode ter gosto
Livros e artigos para ler. Noites e dias para discutir. Problemas
para pensar e resolver. Coisas para fazer. Associações em que participar. Problemas
comuns a equacionar. Ideias a produzir. A política pode dar gosto. As organizações
políticas podiam ser intelectuais colectivos. Só que agora, a julgar por estas
posturas e pelo modo como a comunicação social a trata ficamo-nos no "marketink"
mais reles. E pelo que me é dado ler nos cartazes já afixados a doença atinge
todas as áreas. Até marxistas de Karl, passaram a marxistas de Groucho. Programa
político semelhante ao do joven frenético lisboeta só o da concorrência por
esse país. Mas já lá vamos à concorrência porque o pai político dele surpreendeu-nos
na Galiza.
O velho Fraga Iribarne, «el presidente del PP in Galícia», decidiu-se pela antecipação
de eleições na região. Na conferência de imprensa em que anunciou tal decisão,
e o propósito de se voltar a candidatar ao cargo de presidente do governo autónomo,
distribuiu aos jornalistas um certificado médico atestando a sua boa saúde física.
O certificado atesta que, pese a idade, está bom de urinas, razoável de varizes,
de sangue e de colesterol. É por isso que eu digo que melhor programa político
do que o de Paulo Portas: "Eu fico" é o de Fraga: "Eu sobrevivo". Programas
de grande densidade política e cívica como se percebe.
A verdade é que quer o jovem PP de Portugal quer o velho PP de "Galicia" sem
atestado médico não seriam credíveis: o aspecto físico é duvidoso. O jovem tem,
de quando em vez, um olhar e uns gestos bruscos que me fazem lembrar alguns
alunos e alunas depois de beberem umas cervejas e de aspirarem dois riscos de
coca. Quanto ao velho, a dificuldade em falar claro, as fugas de memória, a
perda de sentido das frases, o desequílibrio no andar, transmitem-nos uma má
sensação. Mais do que atestar que tem glóbulos seria melhor atestar que tem
neurónios.
Nunca importou a idade. Todos conhecemos jovens velhos e velhos jovens. Agora
que sabemos que a brevidade ou longevidade da vida estão marcados pelo cromossoma
quatro ainda faz menos sentido o discurso do velho e do novo. Do que precisamos
é de política e não da publicidade sobre os indíviduos que se candidatam à actividade
politica. Dos aqui referidos sabemos que são capazes de erguer casas como o
porquinho bolão, destruir florestas a sopro como o lobo, dar cabo da flora maritima
espezinhando o mar a passadas largas. Um ameaça ficar o outro sobreviver. Têm
uma ideia tão avantajada de si que isto basta para que o povo lhes dê o cargo.
São muitos os que hoje querem que a ciência e a técnica substituam o juízo político.
Por isso o certificado médico - estrutura da democracia sanitária - ou a pose
desportiva - base da democracia de peito feito - ou o programa musical - base
da democracia melómana - chegam para nos esclarecer.
Aceitando estas novas correntes ideológicas podiamos começar a exigir - agora
que está na moda tudo certificar - certidões de capacitação política. O que
implica longos debates e muito trabalho na elaboração das tabelas de valoração
dos candidatos. Imagine-se já, calibre, textura, tempo de maturação, peso, idade,
tom de vóz, capacidade gestual...Muito trabalho. Um bom debate nacional. E no
fim uma auscultação popular dos modelos.
Quanto a estes dois a coisa está feita. O jovem pode ainda apresentar, como
carta de conforto eleitoral, a lista dos seus esforços por feiras e mercados,
a sua versatilidade em adaptar a farpela ao evento a divulgar, a sua sagacidade
no campo em se dependurar das tetas das vacas mesmo neste tempo de ordenha mecânica,
o seu ávontade a visitar pocilgas, o seu jeito para acariciar crianças, abraçar
jovens e beijocar velhotas populares. Quanto ao velho já apresentou o certificado
médico que atesta ainda estar vivo. Falta só fazer-se filmar. Mostrar, talvez,
capacidade de caçador, jeito para tratar da couve galega e dos tomates da horta.
Habilidade no lançamento do anzol em alto mar. Mesmo discretamente amparado
lá será filmado. Mais um mandato.
Sobre a mensagem política destes dois génios estamos conversados. Mas não pensem
que eles, pela genialidade da sua mensagem, têm o voto do povo no bolso. A concorrência
não lhe fica atrás. Basta-me descer a minha rua para perceber que o "marketing"
político joga duro seja onde for.
Se em Lisboa um diz que fica, no Porto outros dizem que são alternativa. A que,
a quem, para fazer o quê. Querem "o melhor para o Porto". Quem não quer? Só
se forem os de Lisboa que os de cá todos querem.
Outro é mais ameaçador. Não diz que fica, ameaça voltar, e diz que quer "continuar
a nova cidade". Ora nós, pobres habitantes, só temos a velha cidade e gostariamos
de a ver mais lavadinha, mais airosa e arranjadinha. Mas não. Este quer "continuar
a nova cidade". A coisa é perigosa. Deve estar a querer dizer que vai "qualificar"
mais zonas urbanas nas redondezas e que a selva urbana que nos rodeia vai adençar.
Outro passou-se. Diz que traz "o Porto no coração". Isto é preocupante. Um perigo.
Com tanta casa velha, tanto buraco na rua, tanta telha a querer cair, para além
do coração atravancado, corre o risco de derrocada, de enfarte. Sugiro que tire
o Porto do coração. Pode fazer-lhe mal. Não precisa de alterar a linha ideológica.
Fica tudo na mesma, só que menos perigoso, se disser "o Porto nas palminhas".
Talvez até fique melhor. É mais carinhoso. Menos sanguíneo. O povo gosta das
palminhas. Faz lembrar a pitinha pos um ovo, etc.
Caros colegas e amigos. Estes políticos são os mesmos que andam por aí a dizer
que o nosso trabalho de escola é uma miséria e que temos de ensinar e educar
melhor as chamadas novas gerações. São os mesmos que exigem "rankings" de escolas
como se o trabalho de educar se possa encarar como um concurso desportivo. São
os mesmo que irão querer hierarquisar hospitais, tribunais, cadeias, porque
para eles a vida não passa de competição e de segregação de melhores e de piores,
segundo os seus critérios. São os mesmos que todos os dias divulgam uma imagem
negra do nosso trabalho. São os mesmos que contribuem para o desprestigío da
escola e dos professores e fomentam a desconfiança da população. São os mesmos
que mitificam a escola do passado, a que já não existe e por isso se não pode
avaliar. São os mesmos que directa ou indirectamente passam certificados públicos
de incompetência aos nossos alunos e ex-alunos. São os mesmos que quando se
candidatam, como acontece agora, não apresentam uma ideia, um objectivo, um
rumo, um compromisso sério sobre as suas responsabilidades para com a comunidade
educativa que querem governar. São, como constatamos, os políticos que vêm no
seu umbigo uma piscina funda, e mergulham. São produtos, não são políticos.
Neste primeiro período lectivo é preciso exigir-lhes maiores responsabilidades
para com o ensino. Autarquia a autarquia exijamos uma carta de compromisso educativo.
Um programa que se possa avaliar durante e no final dos mandatos.
Eles ameaçam ficar e ficam. Não sabemos para quê, nem durante quanto tempo.
Nós professores sabemos que ficamos. Com as escolas que temos. Com os alunos
que temos. Os meios de trabalho que temos. Os pais dos alunos que temos. Ficamos
para dia a dia trabalhar para ensinar, aprender, educar. Façamos também, deste
nosso trabalho uma exigência política. Como já tenho dito e escrito o P de professor
não dispensa, antes exige, o P de política. Neste tempo de pré-campanha e de
campanha chamemos os políticos às escolas. Não para a propaganda, mas para compromissos
concretos.
José Paulo Serralheiro
|