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Revol(ta)

Em Janeiro de 1999, a imprensa francesa publicou o diário de um professor, Nicolas Revol, colocado na periferia de Paris. O livro deixou boa parteda população de França em estado de choque, o que mostra que as questões relativas à Educação, ao contrário do que vulgarmente se pensa, não são"evidentes".

O livro de Revol, "Maldito Profe!", é simples, tocante, porque quem o escreveu, arquitecto de formação e professor por opção, é dos que ainda acreditam que apesar de tudo há que prosseguir.

Será talvez verdade que os optimistas fazem metade do que dizem e os pessimistas não fazem nada. O livro de Revol/Revolta (assim o podemos chamar) revela uma enorme ingenuidade, mas fala também do "cansaço" do sistema escolar, da sua incapacidade perante uma sociedade que não só o envolve como o invade.

A linguagem e atitudes dos alunos de muitas escolas francesas deixa-nos estupefactos. Os exemplos (só daremos os mais "softs") são às dezenas.

"- Oh, eh... Não se zangue. Zen, stor! Ainda apanha uma úlcera no estômago! Pelo Corão da Meca, era só prá brincadeira! (1) O que é este mundo parisiense de que fala Revol? "Saint-Rémy reduz-se a um imenso alinhamento de prédios, de torres a perder de vista, mais ou menos altas. (...) As janelas tapadas com cortinados cinzentos, as entradas a feder a urina (...) Há sacos de lixo um pouco por toda a parte. Paradoxalmente, se os habitantes são de uma pobreza mais do que evidente, pode-se contar, por imóvel, tantas parabólicas quantos os apartamentos." (2)

Revol não entende a natureza da sociedade em que vivemos e isso transparece no seu livro. Não é paradoxal, é normal a existência de pobreza/parabólica. Pode parecer incrível, mas já vimos casebres

miseráveis no Nordeste do Brasil com antena parabólica! A "sociedade da nova economia (?)" passa por não aceder à Internet (que se vai tornando cada vez mais cara), e ver multidões de imigrantes clandestinos em Milão com o respectivo "celular".

E nós por cá? Bem, será caso para ir vendo os nossos bairros degradados, a juventude sem futuro, a escola invadida (literalmente, em muitos casos).

O final do livro de Revol é triste. Um dos seus melhores alunos acaba por agredi-lo, é preso, julgado, condenado e expulso da escola. Revol declara em tribunal que talvez devesse ter apresentado queixa contra o Estado; segundo nos diz, a Directora, atribui o caso ao facto de nesse ano o docente se ter divorciado. Mas não terá passado mal uma só noite. "eIá, sua vaca, o qu'é que tu queres? E tu, palhaço - dirigindo-se ao polícia -, vais largar-me ou quê? Não sou o teu cão." (3) Estas palavras (e outras) foram usadas no tribunal que julgou o aluno.

Revol passou cinco meses de atestado médico. No livro refere que já há muitos casos de atestados fotocopiados, (usados por professores) em França. O atestado foi aconselhado por um alto funcionário do Ministério da Educação. "Até à colocação seguinte, que deverá adequar-se às minhas conveniências" (...) Revol recebeu 1000 pontos. "Com isto, deverei conseguir ser colocado num estabelecimento "normal"...(4)

Este livro, que se lê depressa, torna-se imperativo. O presente dos "avançados" é cada vez mais um indicador do que poderá ser o futuro de todos.

Carlos Alberto Mota,
Maria Gabriel Cruz,
UTAD, Vila Real
Notas:
1 Op. cit. p.42;
2 cit, p.43;
3 cit., p. 168;
4 op. cit. p.173.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 103
Ano 10, Junho 2001

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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