Um terço da população britânica. Vinte milhões
de pessoas. O dobro da população portuguesa. Foi esta quantidade
de gente que esteve a olhar para a televisão ao mesmo tempo. O que terá
causado este enorme interesse? O anúncio de uma terceira guerra mundial
poderia justificar o fenómeno. Felizmente, sabemos que não foi.
A divulgação de medidas de política interna ou externa
também não parece suscitar tanta curiosidade por parte dos ingleses.
Terá sido o futebol? Não. O próprio desporto rei, mesmo
em terra de grandes apreciadores, foi destronado por um outro acontecimento.
De ficção...
Basta de "suspense". Mas o certo é que foi o "suspense"
que fez com que tantos pares de olhos estivessem colados a tantos ecrãs
de televisão. Durante cinco semanas os telespectadores de "EastEnders",
a mais popular telenovela inglesa, que está em cena há anos, esperaram
pela resolução de um mistério. Houve uma tentativa de assassinato
e a tensão foi crescendo ao ponto de um terço da população
querer saber quem tinha sido a personagem responsável pelo acto.
Fizeram-se apostas para tentar adivinhar aquele que é já considerado
o segredo mais bem guardado da televisão inglesa. A loucura foi ao ponto
de a produção da telenovela ter filmado diferentes versões
para solucionar o mesmo mistério. Desta forma, nem os próprios
actores sabiam qual das versões viria a ser transmitida. A filmagem de
várias soluções para enredos ? sobretudo no final ? já
não é nova. Os brasileiros fazem-no enquanto vão observando
as reacções do público. Até já se chegou
a ouvir dizer que algumas telenovelas tinham um final no Brasil e outro em Portugal.
Mas a questão que levanta este episódio do "EastEnders"
é a ansiedade em que esteve uma esmagadora parte da população
inglesa. Haveria algum outro acontecimento de ficção capaz de
juntar tanta gente em torno da mesma curiosidade? E haveria algum acontecimento
real que conseguisse fazer o mesmo? Talvez a morte da princesa Diana. Mas neste
caso o que está em causa é uma combinação quase
imbatível: uma das mais simpáticas figuras da realeza, que por
si só reflecte um acentuado espírito de nação, morre,
de forma dramática, causando um enorme sentimento de vazio.
A história do mistério da telenovela mexeu tanto com o país
que a própria BBC, onde é transmitida, abriu um fórum de
discussão online sobre o assunto. A par deste episódio, os frequentadores
da página da BBC online eram convidados a discutir temas como a possibilidade
de a China vir a ser a próxima superpotência mundial, a prisão
de Milosevic, ou os lucros dos supermercados. A discussão em torno da
telenovela não era o único "fait-diver", digamos assim.
Também se punha em debate a ida dos ingleses para o campo, nas férias
da Páscoa.
Regressemos ao fórum sobre a questão das telenovelas. A BBC online
perguntava se não estarão as pessoas a levar as telenovelas demasiado
a sério. As respostas, como em todos os fóruns que organizam,
vieram de todos os cantos do mundo. E, como não seria de admirar, dividiram-se
entre aqueles que sugerem aos telespectadores de telenovelas que tenham as suas
próprias vidas e aqueles não vêem problema nenhum em usar
este género televisivo como uma forma de "escapism".
Do Japão, alguém dava o pontapé de saída na discussão:
"Eu prefiro a minha interessante vida". Do Reino Unido, alguém
acrescentava: "As telenovelas são para cabeças ocas".
Depois, vinham os conselhos: "Vocês têm uma cabeça,
usem-na. Se gostam de telenovelas, vejam-nas. Se não gostam, não
as vejam". Dos Estados Unidos da América, alguém avisava:
"As telenovelas podem ser uma válvula de escape barata e divertida.
Mas também mostra outras coisas, como por exemplo, praticar desporto,
conversar com os amigos, dar um passeio". O contraponto chegava do Reino
Unido: "Não justifiquem a existência das telenovelas argumentando
que elas tratam de assuntos sociais importantes como o HIV". Da Escócia,
eram apresentada uma vantagem: "As telenovelas são a melhor forma
de "escapism", permitem-nos ver vidas parecidas com as nossas para
podermos dizer que somos muito melhor como mães, namoradas ou gerentes".
Entre muitos outros comentários, a questão que parece ser a de
maior importância é levantada por Dave Tankard, do Reino Unido:
"Não acham que a nossa sociedade É fantástica? Deixámos
de sair, de nos encontrarmos com pessoas, de ter prazer numa vida social para
passarmos a ver gente de ficção a fazer o mesmo." Em Portugal,
há bem pouco tempo, uma cena de reencontro entre duas irmãs gémeas
também alcançou "shares" significativos. Eu continuo
a achar que no meio é que está a virtude. O equilíbrio
é do mais fantástico que há. Pode perfeitamente ver-se
o entretenimento da televisão e ter o nosso próprio entretenimento.
Hália Costa Santos
|