Alternativa ao Capitalismo na Era da Globalização
Mesmo para o cidadão comum, de hoje, é uma evidência constatar
a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta
etapa que se designa de globalização.
Porém, a questão essencial é saber se
a natureza do sistema capitalista mudou.
- Será que desapareceram a exploração, dominação
e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
- Encontrou este modelo capitalista um processo de concertação
dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
- Que ocorreu em relação à capacidade de resposta dos
grupos sociais explorados e dominados, aos novos processos de economia transnacionalizada
na sua nova fase do capitalismo financeiro, "financiarização",
de cibernetização tecnológica, ìinformatização"
e alargamento manipulatório "mediatização"?
(AMIN 1997))
No estado actual, a etapa da globalização alargou
a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa para com o equilíbrio
da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros
dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se
à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do
capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos
mundializados.
A generalização de uma tecnologia que produza
um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto
de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção
exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos
superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.
Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma
tecnologia produtora de esgotamento energético e matérias-primas,
ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo
versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos essenciais. Cresce o
fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação,
produção e alienação e o resto da sociedade que,
por sua vez, se decompõe em grupos sociais integrados e outros excluídos.
Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se
realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios
naturais de subsistência.
Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os
próprios detentores do capital porque a concentração e
a concorrência inerente ao modelo mercantil acentua rivalidades em torno
da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através
do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia
de concentração.
O modelo tecnológico, aparece com uma lógica
de produtivismo quantitativo que insinua um progresso social. A tecno-ciência
mecanicista/positivista (sem uma base ecológica e assente na energia
fóssil e na poluição) constitui a trama essencial da produção.
Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico
hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui
um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização
cultural é substituída pela institucionalização
escolar. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva,
criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura.
Os "epistemes" são produzidos e reproduzidos nesta "grelha
de interpretação"(WALLACE 1963) que interessem a manutenção
social.
A organização territorial consolida a integração
social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat
alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase
de globalização tem gerado dispositivos topológicos (FOUCAULT,
1976)) que constituem formas de integração e de dominação
cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações,
escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam
com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da
força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo
de hábitos (BOURDIEU-PASSERON, 1964)), de formas de vida e de consumo.
Durante o processo da mundialização da economia
capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades
tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda
hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista,
social, tecnológico, territorial e educativo.
Essas sociedades tradicionais não têm actividades
puramente económicas. A caça e a agricultura são actividades
familiares e comunitárias. Como refere Polanyi,(POLANYI, 1980)) os princípios
dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem
um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços
entre os membros da comunidade. (Goldsmith, 1995)
A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem
as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece
às imposições do nicho ecológico em que a comunidade
se insere.
O processo educativo na sociedade, confunde-se com a socialização,
vigorando o processo de adaptação à comunidade e ao eco-sistema
de que são dependentes.
O processo colonial e neo-colonial instaura-se essencialmente
pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São
estes elementos fortes que facilitam a "pilhagem" e produzem a catástrofe
das populações nativas.
O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam
esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.
A transmissão de doenças era menos fatal nas
comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações
degradadas das aglomerações urbanas.
As relações de economia de mercado vieram acelerar
a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído
por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou
a desertificação e intensificou processos de concorrência
que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as
sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas
de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las
como o paradigma alternativo ao modelo técnico-científico do capitalismo.
As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se
em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo demonstrar
a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia
dominante. Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi
e é o discurso ideológico dominante.
Quisemos caracterizar a situação das sociedades
vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram
para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.
O que se pretende nesta comunicação é
formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre
essas sociedades, que ultrapasse a mera análise "económica".
Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais
do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar
antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento
ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar
a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que
se põe para a formulação dum paradigma futurante.
Entre destruição e sujeição existe
a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um modo
activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens
com os seres vivos e com o biótopo.
O alargamento da consciência planetária, o aparecimento
de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção
com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas
de organização territorial ecologicamente sustentada, permitem
apontar como possível esta "utopia" social, baseada no desenvolvimento
ecologicamente sustentado.
Para isso há que encarar as soluções para
os antagonismos sociais mas também formular, simultaneamente, respostas
às conflitualidades na biocenose e entre a biocenose e o biótopo.
Não existem portanto, soluções político-económicas
em estrito senso. Política e economia enquadram-se numa eco-política
mais geral, como seja a gestão do próprio planeta. Em última
instância é de uma eco-sofia em processo a que teremos de recorrer
para esta hipótese alternativa de paradigma.
A história da humanidade aparece apenas como um processo
parcelar duma mais vasta aventura planetária. No entanto, para a humanidade,
as experiências já vividas nos diferentes modos de produção,
nos diversos complexos tecnológicos e energéticos, nos diversos
paradigmas político-filosóficos, permitem experiência e
teoria para o desenvolvimento futuro.
As aspirações por uma sociedade mais justa e
solidária, ficaram assinaladas ao longo da história por grandes
movimentos de libertação. Estes movimentos sociais, só
de uma forma vaga e às vezes paradoxal, referenciaram a problemática
ecológica. Essas aspirações confundiram-se, umas vezes,
com o mimetismo passivo à mãe terra, outras vezes, com o grito
Prometaico, portador da sociedade industrial. Outras vezes ainda, ao contrário,
orientaram-se para uma sabotagem do surto tecno-científico do sistema
fabril.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os
quadros da ciência positivista e das ideologias sociais. Reencontramos
proximidades entre a geo-cosmogonia mágica nativista e as revelações
duma complexidade holística da teoria ecológica. Mas há
diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária
e na capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio
entre a organização social e a biosfera.
Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos
massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação
das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação
das águas, a partir da investigação eco-técnica
é possível a produção de protótipos de energias
renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.
A evolução do conhecimento nas ciências
do território, permite a implantação de novos habitats
integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, bioagricultura,
ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários
sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com
estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos
comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações
de justiça social.
Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização
solidária, uma eco-territorialização e uma eco-técnica
imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.
Esta utopia não é um "modelo". É
um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de
subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo
neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo,
é defender o eco-desenvolvimento (SACHS, 1995) como alternativa para
qualquer das sociedades. Qualquer que seja a etapa de crescimento, terá
que ter uma opção tecnológica e territorial ecologicamente
sustentável que possa auferir experiÍncia prática, teórica
e científica da humanidade.
As sociedades vernaculares ou tradicionais, têm uma proximidade
material das preocupações ecológicas. Mas, ao mesmo tempo,
encontram-se longe das opções reflexivas que podem garantir pela
eco-técnica actual, uma melhoria das tecnologias apropriáveis,
tradicionais. Contudo, nas sociedades do capitalismo global, será necessária
a reconversão da tecnociência à ecotécnica. Terá
que surgir uma "medicina planetária" (LOVELLOCK, 1998) capaz
de curar as mazelas do crescimento produtivista.
Cresceram os perigos gerados pelo modelo de crescimento. A
vida quotidiana dos cidadãos é cada vez mais marcada pelos desastres
ecológicos, quer sejam alimentares quer sejam climatéricos.
Há cada vez mais movimentos que tomam consciência
planetária desses perigos e mais claramente surgem alternativas concretas
no domínio da eco-técnica, da organização territorial
e do modo de vida. São experiências exemplares que tendem a multiplicar-se.
Novas formas organizativas, como redes não hierarquizadas
onde a unidade se estabelece pelo direito à diferença, despontam
em todos os países. Da federação destas organizações
e da participação duma "ciência cidadã"
(IRWIN 1998) surgem já expressões de um internacionalismo solidário
no desenvolvimento ecologicamente sustentado, visível em Seattle e Porto
Alegre.
Jacinto Rodrigues
Universidade do Porto
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Irwin, Alane, "Ciência Cidadã", 1998, Ed. Inst.
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Wallace, A.F.C. "Culture and Personality", 1963, Ed. Rondon
House, N.Y.
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