Em Maio de 1971, "Johnny Got His Gun" , único
filme, como realizador, do argumentista Dalton Trumbo, com 70 anos de idade,
obtém o prémio especial do júri; a sua inclusão
na selecção oficial do Festival - o presidente do júri,
Michelle Morgan, pensava que não era o género de filmes que os
"festivaleiros gostavam de ver "- deveu-se a pressões de Fuller,
Buñuel e Renoir. Buñel bem podia sentir-se satisfeito, pois ele
próprio tinha contribuído na escrita do argumento em 1961 e tinha
mesmo pensado em realizá-lo... Nada foi simples para este filme e para
o seu autor, que conheceram diversos golpes da sorte.
Trumbo foi sempre uma ameaça para Hollywood e seus patrões
: em 1933, depois de ter sido leitor de argumentos durante dois anos na Warner
Bros, foi despedido por se ter recusado a demitir-se da Screen Writer?s Guild,
julgada " demasiada progressista ". Em 1947, Trumbo foi condenado
a um ano de prisão por " actividades anti-americanas ". A leitura
do seu interrogatório perante a Comissão encarregada de o julgar
mostra-o resoluto, inflexível, não revelando nada sobre os seus
amigos - a declaração que preparou, e que a Comissão recusou
a sua leitura pública, acabava com estas palavras : "Para todos
os que se lembram da Alemanha de 1932, esta sala deve cheirar a queimado "...
Exilou-se no México, onde continuou a escrever os seus argumentos sob
diversos pseudónimos.
Em 1957, sob pseudónimo de Robert Rich mas sem fazer
segredo da sua identidade, Trumbo ganha o Óscar para o argumento. Em
1960, Otto Preminger contrata-o para escrever " Exodus " e insiste
para que ele o assine com o seu nome, Kirk Douglas aproveitou para fazer pressão
sobre a Universal ,mais que reticente ,que produziu "Spartacus ",
para lhe permitir ser oficialmente creditado.
No início de 1963, um produtor mexicano, Alatriste,
propõe a Trumbo adaptar o seu próprio romance, escrito em 1938,
"Johnny Got His Gun ". Trumbo co-escreverá o argumento com
Buñuel, a quem seria confiada a realização. Os dois exilados
estimavam-se : o realizador gostou do onirismo do romance de Trumbo, e o escritor
disse que Buñuel era o mais capaz "de lhe dar vida" segundo
a dedicatória que lhe dirigirá. Eles fizeram conjuntamente a primeira
versão do "script". Um obus é dotado de uma personalidade
própria , assustadora , impiedosa, que evoca" A Via Láctea".
Em 1964, entretanto , o produtor faliu. Buñuel deixa
o país, o filme parece enterrado. Nas suas memórias, " O
Meu Último Suspiro ", Buñuel dá conta da sua colaboração
: " Eu não parava de falar , ele limitava-se a tomar notas. Embora
apenas tenha aproveitado algumas das minhas ideias, teve a delicadeza de pôr
os nossos dois nomes no início do "script" . Eu recusei. "
Em 1967 , Trumbo, voltou à luz em Hollywood, voltou
por sua conta ao argumento de "Johnny... " Associou-se a Bruce Campbell
para preparar a produção. Dezassete das grandes companhias americanas
recusam-no, apenas Simon Lazarus, que se tinha distinguido ao produzir o filme
de Herbert Biberman " O Sal da Terra " em 1953 , outra vítima
da ira McCarthysta, o aceita. A sua produção será totalmente
independente. Trumbo levou o filme para um domínio menos alegórico,
mais explicitamente humano e político; abandonado por todos mas à
vista de todos.
Neste filme de um pacifismo sentido, cada plano palpita de
dor e de raiva muda.
Reposto agora em França 30 anos depois da sua estreia,
não haverá por aí um distribuidor caridoso que o faça
por cá ?
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares
dos Reis
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