A indisciplina e violência em meio escolar é uma temática
claramente inscrita na ordem do dia e um factor de preocupação
para muitos pais, sendo que a forma como muitas vezes é abordada, desligada
dos factos concretos e dos contextos reais em que ocorrem, pode tender a dar
das nossas escolas uma imagem pouco realista, acentuando, em muito, problemas
que efectivamente existem, mas que, na maior parte dos casos não serão
particularmente graves.
Em muitos discursos sobre esta temática, é
também relativamente frequente a procura dos culpados, para os poder
responsabilizar ou mesmo punir, sejam eles os jovens que "não têm
regras", os pais que "não os sabem educar", ou os professores
que "não sabem impôr a disciplina". Parece-me, no entanto,
bem mais importante procurar perceber as causas de certos comportamentos e atitudes,
que são, certamente, muitas e variadas, exteriores e interiores à
escola, no sentido de nelas intervir, prevenindo os fenómenos de indisciplina
e de violência.
Em primeiro lugar, julgo não ser possível
falar de indisciplina e violência em meio escolar como se a escola fosse
uma ilha isolada, exterior e à margem do meio e da sociedade em que está
inserida. Não é possível querer uma escola sem casos de
indisciplina e de violência quando a sociedade envolvente é, quantas
vezes, extraordinariamente violenta, quando vivemos um mundo e uma época
em que crescem assustadoramente as situações de pobreza e de exclusão
social, quando ressurgem com nova intensidade as guerras e os conflitos étnicos;
quando o dia a dia de muitas crianças e jovens é marcado pela
instabilidade, pelo desemprego ou trabalho precário dos pais, por um
presente sem perspectivas de futuro; quando diariamente cenas de enorme violência
são transmitidas e banalizadas pela televisão, se vêm nos
filmes, no futebol, nos telejornais.
Mas, se muitos dos problemas que estão na base de comportamentos
de indisciplina e de violência se encontram fora da escola, a esta também
cabe alguma responsabilidade na produção ou agravamento desses
comportamentos, quando não tem em conta a diversidade social e cultural
dos seus alunos, desvaloriza a sua cultura e os seus saberes, assegura uma oferta
única de situações de ensino aprendizagem. Neste quadro,
a escola pode também significar para muitas crianças e jovens
um quotidiano de violência, onde se acumulam os apelos à passividade,
ao individualismo, à competitividade, os insucessos escolares, os resultados
negativos dos testes, as chamadas de atenção permanentes, as dificuldades
em perceber a utilidade do que querem que se aprenda, a perda da auto-estima.
Um quotidiano de violência quantas vezes acentuado por
horas passadas em instalações e espaços com um ar decrépito,
áridas e feias, sem o mínimo de conforto, com mobiliário
desajustado e equipamento antiquado, sem espaços de convívio.
Mas, então, a indisciplina e a violência,
ou melhor dizendo, os casos de indisciplina e de violência serão
sempre inevitáveis? A escola não pode fazer nada?
É claro que pode, como o demonstram os exemplos
de muitas escolas, de muitos professores e de muitas associações
de pais. Com a consciência de que nem tudo passa pela escola e que a esta
não compete fazer milagres, que uma certa dose de indisciplina será
sempre inevitável, é possível reduzir significativamente
as situações de indisciplina e de violência, melhorando
o clima existente nas escolas e criando condições para que cada
vez mais as crianças e jovens possam usufruir da escola pública
de qualidade a que têm direito.
Não possuindo nenhuma varinha de condão,
a escola não se pode demitir das suas responsabilidades específicas,
o que implica o estreitar das relações entre a escola e a família,
um esforço conjunto dos pais e professores para encontrar respostas para
múltiplos problemas, criando condições para que a escola
seja verdadeiramente inclusiva, capaz de respeitar e atender à diversidade
social e cultural dos seus alunos, de adequar as suas propostas educativas e
os programas aos interesses e características destes, de combater o abandono
e o insucesso escolar. Uma escola capaz de envolver os alunos, de os motivar,
de percepcionar os seus problemas, de com eles construir as regras e as normas
de funcionamento, de pôr em prática formas participadas de gestão
na vida da turma e da escola, de incentivar a formação dos jovens
como cidadãos activos, críticos e intervenientes. Uma escola capaz
de lutar por uma verdadeira autonomia, combatendo os constrangimentos que se
lhe colocam para construir alternativas pedagógicas, exigindo a afectação
dos recursos humanos e materiais necessários, a criação
de equipas integradas pluridisciplinares, com psicólogos, assistentes
sociais, técnicos de educação, animadores culturais, a
melhoria dos edifícios e dos equipamentos escolares. Enfim, uma escola
que permita aos jovens viver a escolaridade como um momento fundamental no desenvolvimento
da sua personalidade, que se assuma como um espaço de aprendizagem, de
formação e desenvolvimento do espírito crítico,
da criatividade, da solidariedade, do respeito pelo outro e pela diferença,
de fomento de uma intervenção cívica consciente e responsável.
Teresa Medina
Presidente da Federação Regional das Associações
de Pais do Porto (FRAPP)
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