Tornar "mais humano" o nosso quotidiano foi uma das "receitas"
propostas pela deputada Helena Roseta para diminuir o clima de violência
que rodeia a sociedade. A ideia foi adiantada no encontro "A Escola contra a
Violência", organizado pelo Sindicato dos Professores do Norte, que reuniu
cerca de 300 participantes no Seminário de Vilar, no Porto, no passado
dia 6 de março.
Centrando o seu discurso na violência na cidade, entendida
no sentido de "meio" onde vivem os cidadãos, e no quotidiano, Helena
Roseta referiu-se à existência de paradoxos geradores de violência,
como sejam o próprio meio físico urbano, as acessibilidades e
a sua relação com o tempo dispendido em deslocações,
a abundância (a União Europeia está a "morrer" de abundância),
a identidade cada vez mais mesclada e a sobreinformação, que leva
a que nos influenciemos cada menos reciprocamente).
Estes e outros factores, afirmou Roseta, levam à frustração,
à insegurança, ao descontrolo de comportamentos e ao excesso de
tensão que advém das agressões/violações
exercidas sobre a "bolha" que constitui o espaço íntimo
de cada um. Agressões essas que, no seu entender, levam à criação
de mecanismos de autodefesa e ao exercícios de "actos de heroísmo".
No sentido da melhoria a qualidade de vida, um dos pilares
fundamentais para reduzir a carga de violência do dia-a-dia, Helena Roseta
referiu-se a uma experiência que está a ser praticada num país
nórdico, chamada "banco do tempo", que permite aos cidadãos
a gestão do seu tempo de modo a criarem "créditos" que investem
em benefício próprio e da sociedade, no momento oportuno. Enfim,
um exemplo de uma "solução criativa" que pode ajudar a tornar
o nosso quotidiano "mais humano".
No final, concluiu que, apesar de e também por causa
das violências inevitáveis, como sejam as dos afectos, o mais desejável
é saber geri-las e que esse estado de cidadania terá, inevitavelmente,
de passar pela construção da chamada ?learning city?, que envolve
todos os seus habitantes, individual e colectivamente.
Por seu lado, Susana Mota, da Comissão para a Igualdade
e Direitos da Mulher (CIDM) - que substituiu à última hora a presidente
da CIDM, Ana Maria Braga da Cruz - traçou um retrato da violência
doméstica em Portugal. De acordo com os dados apresentados, a casa é
espaço previligiado para a ocorrência deste tipo de violência
(43%), sendo sobretudo física e psicológica. No local de trabalho
ocorrem muitas situações de discriminação sócio-cultural,
e a violência sexual ocorre essencialmente na rua. A faixa etária
predominante das vítimas situa-se entre 35 e os 44 anos e a maioria das
queixas provém da zona litoral do país, em particular da Grande
Lisboa e do Grande Porto.
Só nos primeiros seis meses do ano passado, o serviço
de informação às mulheres vítimas de violência
recebeu cerca de 2700 chamadas, das quais um milhar estava directamente relacionadas
com situações de violência e 250 não relacionadas.
Destaque para o facto de a maioria dos telefonemas, quase 1500, terem conotação
insultuosa ou serem na brincadeira.
No público, alguém reconhecia ser cada vez mais
difícil pôr rédeas à violência na escola e
questionava se a televisão não terá uma boa parte da responsabilidade,
substituindo-se aos pais na formação das crianças e jovens.
Já um outro participante se insurgia contra os novos blocos de aulas
de 90 minutos, medida que, em sua opinião, poderá levar à
"acumulação de tensões" na sala de aula e, dessa forma,
"potenciar conflitos".
Durante a tarde, foram apresentadas as experiências decorrentes
do projecto "A escola contra a violência doméstica", que decorreu
em catorze escolas do norte do país, uma iniciativa do Sindicato dos
Professores do Norte e da Rede Europeia Anti Pobreza, de que "A Página"
deu conta no número de Agosto/Setembro.
Quase no final, um participante insurgiu-se contra o facto
de os homens serem apresentados como "os maus da fita", lembrando que existem
muitos elementos do sexo masculino que também sofrem com a violência
conjugal. "Queixem-se!", sugeriu uma das participantes.
Ricardo Jorge Costa com Iracema Santos Clara
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