Eis a questão. E, como o poeta de Hamlet, não quero ficar na dúvida. Tenho por hábito enviar os textos que escrevo, para comentários, às pessoas com as quais trabalho. Como as visões são heterogéneas, estes comentários também o são: uns propõem textos alternativos; outros dizem que ficam com novas ideias; há ainda os que nem respondem. Numa equipa de trabalho, é normal ser assim. A polémica é pretexto para outros textos. Mas onde está o colega e o leitor? Será que eu escrevo apenas pelo prazer de escrever, com metáforas mais ou menos adequadas, com factos que permitem ideias novas, com ideias novas ou já muito manipuladas? Será que avanço? Em Portugal, não recebi mais do que recensões muito agradáveis ao meu ego. Mas, polémica nenhuma. Já em 1992, no meu livro "A religião como teoria da reprodução social", fiz o primeiro desafio no Prefácio. Até hoje, silêncio. E o Governo? Essa instituição que nos gere será que nos lê? Somos consultores deles, ou, apenas mais um escritor para os governantes ignorarem. Todos os livros que escrevi foram enviados aos ministérios pertinentes: recebo sempre um elegante cartão de agradecimento, nunca uma consulta. À excepção do ministro da Ciência. Fiz uma recensão de um livro dum secretário de Estado, dei opiniões, perguntei-lhe o que é que pensava a esse respeito - disse que não sabia que o dito texto existia (mesmo editado por uma outra instituição estatal). Será que o Governo nos lê? Será que devemos mudar de estilo e pensar que a escrita é apenas prazer sem repercussão social? Será que a ciência é útil em Portugal? Ou, será que devemos fazer como Anthony Giddens, Maurice Godelier, Ana Benavente, entre outros, que largaram a ciência para ser governo? Giddens diz-me, Godelier diz-me, Ana Benavente não diz mas vê-se: estão tomados pela burocracia e pelo voto. Boaventura de Sousa Santos provoca um debate em Abril: os jornais comentam esse debate em duas linhas. O seu livro de Macau, "A Inquisição", reteve-o longo tempo até aparecer. Opino que a ciência serve para sermos consultores dos leitores e dos gestores do poder. Escrevo porque - os sindicatos, as associações de estudantes, os partidos políticos, as escolas profissionais - querem debater comigo em vários sítios do país. Escrevo para poupar tanta palavra falada, que me esgota. E acabam por coincidir comigo os leitores; os editores ganham dinheiro, vamos às segundas edições, ficamos esgotados e doentes, como eu próprio hoje estou. A ciência, tem utilidade social? Responda o leitor, mas, responda o Governo também. Raúl Iturra Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências do Trabalho Empresa - Lisboa
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