EDITORIAL. Agosto.1994 Os seres humanos são animais de hábitos. Uma das preocupações dos processos educativos é criar o que os educadores consideram bons hábitos. Destes bons hábitos faria parte, por exemplo, o gosto pela leitura, cinema, teatro, música, fazer amor e pensar. Alguns pensam que o gosto pelo trabalho é também um bom hábito. Existem também os maus hábitos. Meter o dedo no nariz, mesmo que seja para pensar melhor, é considerado um mau hábito. Como se sabe os bons e os maus hábitos mudam com o tempo e com a forma de pensar das sociedades. Fazem parte da cultura de um povo num dado momento. Têm marca de classe, isto é, cada classe social tem os seus bons e maus hábitos. Também por isto é tão difícil aos professores e educadores fazer a gestão educativa dos bons e dos maus hábitos. Elogio e condenação só são fáceis de aplicar quando se é burro e ignorante e os professores e educadores, salvo algumas excepções, não são burros nem ignorantes, daí as dificuldades. Claro que os hábitos, os bons e os maus, não são só atitudes individuais. As instituições são também sujeitas aos hábitos, aos bons e aos maus. Provocar o desenvolvimento, melhorar a qualidade dos serviços, humanizar instituições e formas de trabalhar, passa normalmente pela capacidade de alterar hábitos de trabalho e de comportamento das organizações económicas, sociais, políticas e culturais. Se nalguns países as organizações são mais eficazes é porque já não espetam o dedo mindinho quando pegam no copo. Em Portugal, apesar de irmos na parte de trás do pelotão da frente ou na parte da frente do pelotão de trás, consoante o ponto de observação do nosso Primeiro Ministro, as organizações sociais e políticas ainda pegam no copo só com dois dedos. Isto é uma tragédia. Não por razões meramente estéticas ou convencionais, mas pelo desconforto e falta de eficácia dos gestos institucionais. Estas reflexões sobre os bons e os maus hábitos, como não podia deixar de ser, têm um motivo. Estou preguiçosamente de férias - a preguiça, dizem, é um mau hábito - e vou lendo e relendo o que se disse e se escreveu sobre o final do anterior ano lectivo e a abertura do próximo. Não posso deixar de registar uma série de maus hábitos institucionais do nosso Ministério da Educação. Maus hábitos institucionais porque se vêm repetindo nos últimos dez ou doze anos independentemente das mudanças de equipas ministeriais. Nesta matéria, se alguma mudança houve com a saída e entrada de ministros e secretários de Estado da educação, foi apenas o acentuar do que poderíamos chamar brincadeiras de Verão. Tornou-se um hábito dos Ministros da Educação de nomeação PSD, nos últimos anos, dedicarem-se a uma série de brincadeiras nos últimos quinze dias antes da ida a banhos. Eu imagino que tudo se deve a uma certa excitação que lhes anda associada à imagem do calção e do fato de banho. Imagino que aquela gente do ministério, quando toma consciência que nas escolas já não há alunos nem professores, isso lhes dá um tal alívio, um tal conforto, que somado à perspectiva do cheirinho a mar provoca um frenesim e descontrole emocional que os leva ás mais espantosas brincadeiras. Isto compreende-se porque os nossos técnicos e governantes educativos, se não fazem uma boa política educativa é porque, infelizmente, existem alunos e professores. Fosse o nosso país uma terra sem alunos e professores e veriam se a política educativa do nosso governo não era qualquer coisa de brilhante! Compreendo perfeitamente a forte vontade de anunciar novas e profundas medidas educativas na última quinzena de Julho. Essa quinzena é um oásis. Não há alunos, não há professores, não há escolas, é assim possível imaginar políticas à medida das cabeças pensantes. É por isto que nesta altura se criou o hábito de o ministério anunciar medidas e apresentar propostas para 'negociação'. Leiam os professores e educadores, mesmo por alto, o que se disse e se escreveu sobre a conferência de imprensa da Senhora Ministra, já em Julho, e digam-me se pode ser outra coisa para além de uma das habituais brincadeiras de Verão. Leiam os editoriais de alguns directores de jornais, a propósito da mesma conferência de imprensa, e digam-me se tais opiniões não são resultado do laxismo provocado pelos calores da época estival. Não posso entender de outro modo o elogio de alguns directores de jornais responsáveis face às banalidades, contradições e medidas irresponsáveis anunciadas pela Senhora Ministra. Lembremo-nos do folhetim das provas específicas e do 12º ano, dos erros, omissões e soluções encontradas pelo ministério e digam-me se isto não são brincadeiras de Verão. É certo que são brincadeiras que tocam na vida de milhares de jovens, que publicamente contribuem para aumentar o descrédito dos professores, mas quem pensa nisso? A educação em Portugal não tende para se transformar numa grande palhaçada? As escolhas dos últimos ministro da educação não foram uma brincadeira, um faz de conta, do Senhor Primeiro Ministro? As escolhas dos jovens Secretários de Estado que dirigem áreas fundamentais do sistema educativo não são brincadeiras do Senhor Primeiro Ministro? Os orçamentos para a educação e a sua gestão não são um convite ao jogo do monopólio? Não se convidam os professores a jogar com notas a fingir? A Reforma Educativa não se transformou desde o início num jogo do faz de conta? Faz de conta que vamos fazer uma reforma. Faz de conta que somos professores. Faz de conta que vamos ter área escola. Faz de conta que a comunidade participa no acto educativo. Faz de conta que o poder local também participa. Faz de conta que vamos aumentar a formação dos professores. Faz de conta que temos formação profissional. Faz de conta que vamos baixar o insucesso escolar. Faz de conta que vamos ter melhores escolas. Faz de conta que temos desporto escolar. Faz de conta que temos educação pré-escolar... continue o leitor a lista dos jogos e das brincadeiras que o nosso sistema educativo nos proporciona. Já agora experimente, na sala de professores, quando voltar em Setembro, brincar com os seus colegas ao faz de conta que temos um Primeiro Ministro competente e uma Ministra da Educação.
José Paulo Serralheiro
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