Perto do final do ano lectivo anterior, restavam pouco mais de quinze dias de aulas, ia a sair da sala de professores quando fui interceptado por uma senhora que muito prontamente me disparou um rol de questões respeitantes a suposta educanda. Não a conhecia, já que era a primeira vez que a mesma se deslocava à escola; no entanto identifiquei de imediato a aluna em questão: - Então senhor professor, a minha Joana passa de ano ou não? - Veja lá, uma pessoa faz tanto sacrifício... Eu não tinha sequer a oportunidade de comentar tal era a velocidade com que as questões eram feitas. - O sr. professor tem de compreender, trabalho todo o dia na feira. Quando chego a casa a minha Joana já está deitada. Pensem bem no que vão fazer. Ela tem de passar de ano'. Sentia-me incrédulo com o que ouvia. Progressivamente, apoderava-se de mim um sentimento de irritação tremendo. Não optei por esta profissão para me tratarem desta forma. Passar um aluno não é fazer um favor a ninguém. A avaliação que faço de cada aluno tem constituído, ao longo destes primeiros anos de profissão, um dos parâmetros em que eu tenho dedicado maior empenho, e no entanto chega aqui esta encarregada de educação que nunca cá apareceu e pensa que passar ou reter um aluno é tudo uma questão de caridade... Porque é que só se lembrou que tinha uma filha agora a quinze dias do final das aulas. A sua presença ter-me-ia sido mais útil logo no início do ano. Por acaso a filha até reunia as condições mínimas para transitar de ano. Mas tal, não se deve minimamente nem ao empenho nem à colaboração do encarregado de educação com os professores da filha. O que pensam verdadeiramente os encarregados de educação - porque são imensos estes casos - sobre a utilidade e o que deve ser a sua relação com os professores. Na minha opinião, só poderá haver um beneficiado - o aluno. Naquele momento apetecia-me reagir de forma violenta e, respondendo no mesmo tom em que estava a ser tratado, dizer umas 'quantas verdades' a esta encarregada de educação. Umas semanas antes deste episódio, aconteceu-me algo que tomei como extraordinário e que, embora à primeira vista nada tenha a ver com o caso, pode ser contextualizado de forma a reforçar o que senti naquele dia. Isto passou-se na Serra da Estrela e encontrava-me incluído num grupo de professores de geologia que se encontravam a frequentar uma formação que visava trabalhos de campo sobre a geologia de Portugal. No momento, encontrava-mo-nos a caminhar já há largos minutos, ao longo de uma encosta muito íngreme, coberta por um denso matagal. O terreno era extremamente acidentado; caía uma chuva miudinha e estava-se a abater sobre nós um cerrado e ameaçador nevoeiro. Saímos deste matagal e entramos num pequeno bosque de coníferas que embora escura, nos permitia caminhar muito mais facilmente já que o solo era plano e encontrava-se coberto apenas por um fino e fofo estrato herbáceo. Casualmente, em cima de um pequeno afloramento granítico, vislumbrei algo que à primeira vista me pareceu exótico. Aproximei-me, chamei a atenção de outros colegas, e fui observar com mais atenção. Após uma breve análise e confronto de opiniões, concluímos que aquilo que considerávamos um grande 'achado', era apenas um Líquen. As dúvidas suscitadas na altura ficaram a dever-se à cor que neste caso, e ao contrário do normal, verde azeitona ou mesmo cinzento, apresentava-se em tons de azul turquesa que em alguns planos de reflexão da luz apresentava nuances de um azul prateado lindíssimo e mesmo hipnotizante, razão pela qual a nossa atenção se centrou naquela pequena maravilha da natureza durante alguns minutos. Em biologia, os líquenes são classificados como sendo uma relação biótica (por definição - relação que se estabelece entre dois seres vivos), já que resultam da associação entre uma espécie de alga microscópica e uma espécie de fungos. A particularidade desta relação, é de que qualquer destas duas espécies depende obrigatoriamente de outra para sobreviver. A alga tem a capacidade de, através do processo fotossintético, produzir compostos orgânicos a partir de água e energia luminosa. Tais compostos orgânicos vão permitir a sobrevivência dos fungos que por sua vez armazenam nas estruturas que os compõem a água utilizada pelas algas. Esta relação é classificada especificamente com a designação de mutualismo. Aquela alga, não teria qualquer hipótese de sobreviver, tal como o fungo. Não obstante, unidos criaram algo que constitui um verdadeiro espectáculo visual. A excelência do processo de 'ensino/aprendizagem', nomeadamente no ensino básico, está, numa visão pessoal, dependente duma relação de 'mutualismo' entre os Encarregados de Educação e os professores, e nunca de uma qualquer competição ou de um qualquer despojamento de responsabilidades de parte a parte. Esta poderia ser normalmente a reacção do professor perante o insucesso da Joana e o mesmo se passaria por parte da mãe. Urge, tanto os pais como os Encarregados de Educação como os professores, consciencializarem-se que o sucesso do aluno será proporcional ao sucesso da sua cooperação.
Arlindo Antunes de Sousa
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