Desde que as ciências da educação se constituíram como um domínio de saberes reconhecido institucionalmente e passaram a integrar, formalmente, o currículo de formação de professores e educadores, (o que, entre nós, se esboçou com o Ramo Educacional das Faculdades de Ciências na década de 70 para prosseguir, generalizando-se, no chamado modelo integrado de formação), a tendência para fazer delas recursos técnicos e instrumentais, à maneira do que se espera que façam as ciências positivas tem sido uma constante. Esta tendência tanto procede do campo dos decisores políticos, como do campo dos investigadores que são solicitados a formularem respostas para resolver os problemas emergentes dos movimentos das reformas educativas, como ainda dos próprios profissionais da educação que aspiram a um regime de segurança e proficiência prática face à complexidade do seu trabalho. O pressuposto é o que preside a toda a produção científica moderna que é o de se legitimar socialmente pelos seus resultados, entendendo-se por resultados aquilo que é esperável como útil, sendo, aliás, esse o seu critério de verdade. Esse critério de verdade exige, então, que os resultados sejam visados como objectivos, cabendo assim à ciência o processo de assegurar a articulação entre ambos. Postas assim as coisas, tudo parece metodologicamente simples. A questão, porém, complica-se quando se questiona, por um lado, a natureza dos objectivos e, por outro, o processo de articulação. A questão dos objectivos releva do foro da ciência ou do foro da política? Se o seu critério é o do útil, para que os objectivos sejam cientificamente fundados, é necessário que a ciência comprove a universalidade da sua aplicação, isto é, a independência dos interesses da sua utilização, o que, levado à letra, significa a impossibilidade da decisão, a qual implica, por definição, uma opção, isto é, o abandono de uns tantos objectivos em favor de outros. Se se admite esta impossibilidade, a partir daqui a decisão por uns objectivos em vez de por outros é cientificamente arbitrária, o que leva a estabelecer que a ciência se constitui àquem da decisão, em vez de a fundar. E isto vale tanto para as decisões que se tomam no âmbito da produção científica, que se ocupa do mundo da natureza, como da que se ocupa do mundo da vida social. O que pode então condicionar a decisão em favor de objectivos ou interesses mais amplos ou diferentes dos que os que estão, inicialmente, no horizonte de quem decide é o contrapeso exercido pela expressão desses interesses que podem, evidentemente socorrer-se dos resultados da ciência, entre outros meios, com fins opostos ou, pelo menos, divergentes dos que foram invocados pela parte decisora. E o que pesa, finalmente, é o poder político, se, entretanto, a negociação, se lugar houve para ela, não aproximou as partes. Onde, porém, a complicação se avoluma, quando se trata de educação, e no suposto de que os objectivos decididos são para aplicar, é quando se passa ao processo da sua articulação com os resultados, isto é, ao plano da execução. É que, em primeiro lugar, os objectivos não são entidades matemáticas, univocamente traduzíveis em planos de acção Em segundo lugar, os meios a utilizar não são cientifica e analiticamente dedutíveis da natureza daqueles. Em terceiro lugar, o objecto da sua aplicação (supostamente o aluno, a turma, a escola...) não são entidades substantivas redutíveis a um conjunto de propriedades que se possam pensar como tipos ou categorias, de cuja análise ressaltam as relações ou se deduzem consequências práticas. Vem isto a propósito dum colóquio que, recentemente se realizou em Lisboa sobre a decisão educativa, promovido pela AFIRSE (Ass. International Francophone de Recherche en Éducation) onde algumas das questões, como as acima referidas, foram abordadas. Porque elas dizem, directamente, respeito ao trabalho dos professores, proponho-me aqui trazê-las à reflexão. É o que farei proximamente..
Manuel Matos
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